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29 de ago. de 2010

Criado mosquito imune ao parasita da malária



Geneticamente modificado, ele poderá ser usado para deter a propagação da doença
por Nicholette Zeliadt
Cortesia de M. Riehle, University of Arizona
Larva do mosquito com um marcador fluorescente indicando a modificação genética
Estima-se que 1 milhão de pessoas morrem anualmente de malária, doença parasitária transmitida por mosquitos. As atuais estratégias de controle envolvem a pulverização de inseticidas ou uso de drogas para matar o parasita que infecta os seres humanos. Infelizmente, esses métodos são cada vez menos eficazes já que as pragas evoluem e resistem a tratamentos tóxicos. Nos últimos anos, os cientistas vêm trabalhando com os genes do inseto, na esperança de desenvolver mosquitos modificados incapazes de transmitir o parasita. Embora isso seja promissor, esses esforços produziram mosquitos com apenas uma leve redução da taxa de transmissão do parasita.Agora, pesquisadores liderados Michael Riehle, entomólogo da University of Arizona, têm desenvolvido um mosquito transgênico completamente imune à infecção por Plasmodium falciparum, o parasita causador da malária nos seres humanos. Os pesquisadores esperam que sua descoberta possa um dia ser usada como parte de uma nova estratégia para combater a malária. Para a propagação da malária, a fêmea do mosquito Anopheles sp primeiro deve ingerir o parasita de uma pessoa infectada. Uma vez dentro do mosquito, o parasita passa por um processo de maturação, cerca de duas semanas, viajando a partir do intestino do mosquito para as glândulas salivares, onde está pronto para ser transmitido para outros hospedeiros humanos. "Nós fomos surpreendidos como isso funcionou tão bem", disse Riehle. "Estávamos esperando para ver algum efeito sobre a taxa de crescimento dos mosquitos e foi ótimo ver que a nossa construção bloqueou completamente o processo de infecção." Para que qualquer mosquito transgênico seja verdadeiramente eficaz contra a malária, os mosquitos “artificiais” deverão competir e ganhar dos selvagens, um grande desafio que Riehle reconhece e espera realizar no futuro. Até que isso aconteça, os mosquitos geneticamente modificados de Riehle são guardados com segurança em seu laboratório

Acasalamento de vaga-lumes dá pistas sobre conexões do cérebro



Sincronização dos flashes emitidos pelos insetos pode ajudar a entender padrões cerebrais
por Larry Greenemeier
Cortesia de Andrew Moiseff
Machos emitem flashes no mesmo ritmo e repetidamente
Para muitos, o brilho dos vaga-lumes no ar da noite é um sinal claro de que o verão chegou. Depois de escurecer, esses besouros bioluminescentes são geralmente visíveis apenas quando emitem flashes verdes em seus abdomes, como parte de seu ritual de acasalamento. Algumas espécies obtêm sucesso no acasalamento sincronizando os padrões de piscar – fenômeno que tem atraído a atenção de uma equipe de pesquisadores que estudam o reconhecimento de padrões para saber como o cérebro é conectado. Para entender melhor o cérebro dos seres humanos e outros animais que processam os sinais visuais, Andrew Moiseff, professor de fisiologia e neurobiologia da University of Connecticut, em Storrs, e Jonathan Copeland, professor de biologia na Georgia Southern University, em Statesboro, ao longo dos quatro últimos verões têm estudado o papel da sincronização das luzes para o acasalamento da espécie de vagalume Photinus carolinus encontrados nas Smoky Mountains do Tennessee National Park. Muitos machos produzem flashes ao mesmo tempo, no ritmo e repetidamente, de acordo com os pesquisadores, que publicaram seus resultados no dia 9 de julho da revista Science. Esses padrões consistem em uma explosão de flashes variados (normalmente seis), seguidos por um período não intermitente que dura cerca de seis ou oito segundos. Durante essas pausas, a fêmea responde com dois flashes em rápida sucessão, com o segundo flash quase que imediatamente após o primeiro ser concluído. “A fêmea pode produzir de 3 a 59 desses flashes enquanto estão pousadas nas folhas ou ramos”, diz Moiseff. "Isso apresenta algumas questões interessantes ainda não respondidas sobre se o período em que estão ‘desligados’, assim como os flashes, desempenharia importantes funções comportamentais", diz Moiseff. No laboratório, Moiseff e Copeland expuseram um macho de P. carolinus a uma fêmea de P. pirilampos, esperando que o macho imitasse a fêmea. Cada indivíduo produziu o padrão específico de flashes da espécie. O estudo diz o seguinte sobre o cérebro dos vaga-lumes: “É capaz de contar, medir diferenças de tempo e fazer uma pausa enquanto aguarda uma resposta.” "Nosso interesse é compreender os circuitos do cérebro", diz Moiseff. "O método que estão usando para fazer isso é através do reconhecimento de padrões, algo que é importante para todos os animais." Moiseff e Copeland têm estudado outros animais, como corujas e morcegos. "Queremos entender como o cérebro pode processar esses sinais visuais", acrescenta. “A bioluminescência do vaga-lume é o resultado de uma reação química envolvendo uma proteína chamada luciferase. Cerca de 1% das espécies conhecidas de vaga-lumes demonstra esse comportamento sincronizado”, explica Marc Branham, professor adjunto no Departamento de Entomologia e Nematologia da University of Florida. “É importante notar, no entanto, que eles não estão em sincronia o tempo todo e só aparecem quando sincronizados em altas densidades e, mesmo assim, alternando dentro e fora de sincronia”, acrescenta

Influência do meio ambiente sobre o câncer pode ser maior que se pensava



Especialistas refutam antigas estimativas de que apenas 6% dos tipos de câncer estariam relacionados a exposições ambientais e ocupacionais
por Brett Israel
ISTOCKPHOTO/webphotographeer
Fumo, má alimentação, obesidade e inatividade física representam dois terços dos óbitos por câncer nos Estados Unidos
Traços de produtos químicos comumente relacionados ao câncer estão à espreita em todos os lugares. Mas, após décadas de pesquisa, o número de pessoas realmente vitimadas por eles permanece uma incógnita.Acredita-se que o fumo e os maus hábitos alimentares respondem por 60% das mortes por câncer, a doença mais letal no mundo. E quanto ao resto? A influência do meio ambiente vem sendo debatida há três décadas por cancerologistas e epidemiologias ambientais. Segundo antigas estimativas, as exposições ambientais e ocupacionais se relacionam a apenas 6% dos óbitos.Mas a questão voltou à tona no começo de maio após a publicação de um relatório do Presidents Cancer Panel, um comitê de especialistas encarregados do Programa Nacional contra o Câncer que se reporta diretamente ao presidente. O relatório afirma que o valor da estimativa é defasado e subestimado, e, considerando que a exposição a poluentes, a genética e o estilo de vida parecem todos entrelaçados, os cientistas provavelmente jamais saberão a influência dos contaminadores ambientais sobre a doença."É como olhar os fios de uma teia de aranha e decidir qual é o importante", disse o Dr. Ted Schettler, diretor da Science and Environmental Health Network, organização sem fins lucrativos que defende a aplicação da ciência às políticas ambientais. No mundo todo, desde antes do nascimento até a velhice, as pessoas se expõem a incontáveis cancerígenos por meio da comida, do ar, da água e de produtos de consumo.De acordo com o 11º Relatório sobre Cancerígenos dos Estados Unidos, os National Institutes of Health classificaram 54 compostos que causariam ao menos um tipo de câncer. As maiores exposições seriam ocupacionais e não ambientais, apesar de estas também ocorrerem. O poluente benzeno, por exemplo, comum nos gases de exaustão de veículos, é uma conhecida causa de leucemia. O radônio, gás radioativo natural encontrado em muitas casas, eleva o risco de câncer de pulmão. O arsênico, presente em algumas redes de água potável, é ligado a câncer de pele, fígado, bexiga e pulmão. Outros conhecidos cancerígenos humanos incluem asbesto, cromo hexavalente, aflatoxinas e cloreto de vinila. Desde 1981, agências e institutos citam as mesmas estimativas para avaliar fatores cancerígenos no ambiente de trabalho, no meio ambiente e nos produtos de consumo: cerca de 4% das mortes por câncer (ou 20 mil mortes por ano) poderiam ser atribuídas a exposições ocupacionais, e 2% (ou 10 mil mortes por ano), a exposições ambientais.Em seu novo relatório, o comitê indicado pelo ex-presidente George W. Bush disse que essas estimativas são "lamentavelmente defasadas", e "o verdadeiro peso do câncer induzido pelo meio ambiente tem sido grosseiramente subestimado".Para a American Cancer Society, essa afirmação não tem consenso científico. "Baseados em que eles dizem grosseiramente subestimado? É uma possibilidade, mas muitas hipóteses têm sido propostas. Sem prova real, não se pode afirmar nada", argumentou o Dr. Michael Thun, vice-presidente honorário de epidemiologia e pesquisa de vigilância de risco da American Cancer Society. Segundo ele, o comitê presidencial exagera a preocupação sobre as causas ambientais, quando a melhor forma de se prevenir o câncer seria combater os maiores riscos enfrentados pelas pessoas: fumo, alimentação e sol.Já os epidemiologistas ambientais dizem que o questionamento dos números seria mera tática diversionista da American Cancers Society, que endossaria o mesmo princípio dos grupos industriais – o de que não se deve agir sem prova absoluta. Mas muitos epidemiologistas defendem o princípio da prevenção: é preciso reduzir a exposição das pessoas aos poluentes ambientais mesmo sem provas concretas dos riscos.Tentar relacionar cada produto químico a um tipo específico de câncer é uma "prática errônea" e uma "tentativa de calcular uma ficção", diz Richard Clapp, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Boston e co-autor de resenhas sobre as causas ambientais e ocupacionais do câncer. "Por que continuar martelando o mesmo ponto, se podemos avançar e colocar outras coisas em prática?", ele questiona. Dados da American Cancer Society indicam que, a cada ano, surgem cerca de 1,5 milhão de novos diagnósticos de câncer nos EUA, dos quais mais de meio milhão terminam em óbito. A maioria estaria ligada a fatores de estilo de vida, como fumo, alimentação e álcool. Sozinho, o fumo responderia por ao menos 30% das mortes; outro terço é atribuído a alimentação, obesidade e inatividade física.Mas são os tipos restantes – cerca de um em cada três – que esquentam a polêmica.Um relatório de 1981 dos cientistas Sir Richard Doll e Sir Richard Peto, publicado no Journal of the National Cancer Institute, avalia que 2% das mortes por câncer são atribuídas a exposições a poluentes ambientais, e 4% a exposições ocupacionais. Em 2009, essas porcentagens representaram cerca de 30 mil mortes nos EUA."Se você considerar o número de mortes por dia, elas equivalem a um desastre aéreo que mereceria manchetes nacionais", disse Clapp.

Emissões de nitrogênio trazem de volta a chuva ácida



Além das chaminés, agora também fabricantes de fertilizantes provocam esse problema
por Michael Tennesen
John Burc ham
Bactérias convertem amônia (NH3) em ácido nítrico no solo
O flagelo da chuva ácida dos anos 70 e 80, que matou árvores e peixes e até dissolveu estátuas no National Mall, em Washington, D.C., voltou diferente. Em vez de ácido sulfúrico derivado das emissões industriais de enxofre, o líquido corrosivo é ácido nítrico, resultante não só das chaminés, mas também da agricultura.Além de dissolver cimento e calcário e reduzir o pH de lagos e riachos, a chuva ácida lava importantes nutrientes do solo, prejudicando plantas e liberando minerais tóxicos que podem alcançar hábitats aquáticos. Para combater esse problema quando surgiu pela primeira vez, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) conseguiu aprovar, em 1990, alterações na Lei do Ar Limpo (Clean Air Act), que cortou em 59% as emissões de enxofre das fábricas de 1990 a 2008. As emissões de compostos de nitrogênio, entretanto, não caíram tão abruptamente.De maneira geral, usinas elétricas a carvão e veículos motorizados expelem a maior parte dos óxidos de nitrogênio do país, a matéria-prima para a chuva de ácido nítrico. Mas uma grande porcentagem deles também vem do setor agrícola na forma de amônia (NH3), que bactérias convertem para ácido nítrico no solo. Os maiores culpados são os fabricantes de fertilizantes, que transformam o gás nitrogênio não reativo da atmosfera em amônia por meio do chamado processo Haber-Bosch. Extensivas operações de alimentação de animais em confinamento no sul também produzem amônia. “A agricultura está cada vez mais funcionando como uma operação industrial intensivamente dirigida e isso vem criando sérios problemas com relação à água, ao solo e ao ar”, observa Viney P. Aneja, professor de qualidade do ar e tecnologia ambiental da North Carolina State University.Cientistas estão começando a documentar o estrago. Pesquisadores da Floresta Experimental Hubbard Brook, na Floresta Nacional de White Mountain, em New Hampshire, encontraram evidências de chuva de ácido nítrico que parece ter se originado de óxidos nítricos provenientes do alto Centro-Oeste. Eles relataram que a chuva ácida pode reduzir a tolerância ao frio e ao estresse em algumas espécies de árvores, incluindo o abeto vermelho e o bordo de açúcar. Da mesma forma, pesquisadores rastrearam óxido nítrico saindo de Kentucky e Tennessee e se dirigindo às Grandes Montanhas Smoky, onde observaram tanto a pior chuva ácida quanto degradação florestal, observa William H. Schlesinger, presidente do Instituto Cary para Estudos de Ecossistemas, em Millbrook, Nova York.Embora os Estados Unidos pudessem endurecer as regras do ar limpo para combater as emissões atmosféricas de nitrogênio, o país não tem leis abrangentes nem dispositivos adequados para monitoramento das emissões provenientes da agropecuária. Schlesinger acredita que discussões nacionais sobre a mudança climática permitiram aos Estados Unidos ignorar o problema do nitrogênio, que, segundo ele, será o próximo grande problema ambiental. “Esse é mais um exemplo da interferência dos humanos nos ciclos globais biogeoquímicos com consequências imprevisíveis”, observa.A ação governamental pode ajudar significantemente: a União Europeia, por exemplo, aprovou, em 1999, um pacto de redução da acidificação chamado Protocolo Gothenburg, que reduziu as emissões de nitrogênio na Europa em um terço, enquanto no mesmo período as emissões nos Estados Unidos permaneceram constantes. Para piorar a situação, os Estados Unidos elevaram a emissão de amônia em 27% de 1970 a 2005, de acordo com um trabalho publicado na Environmental Science & Technology.Sem intervenção o problema provavelmente se agravará. O crescimento da população mundial, que deverá aumentar dos atuais 6,5 bilhões para 9 bilhões em 2050, fará pressão sobre a produtividade agrícola e consequentemente sobre o uso de fertilizantes. O Comitê Integrado do Nitrogênio do Conselho Consultivo de Ciência da EPA, que em junho realizou uma teleconferência pública sobre o assunto do nitrogênio reativo no meio ambiente, elaborou um relatório provisório que estabelece os detalhes, incluindo as opções de gestão para a chuva de ácido nítrico. Também discute maneiras de monitorar emissões atmosféricas, que atualmente é o ponto fraco no cenário do controle do nitrogênio. Espera-se que o relatório final seja lançado no próximo ano.

Vida Sintética e Ética



Técnicas de manipulação genética estimulam novas discussões jurídicas
por FÁBIO ULHOA COELHO
A experiência de criação em laboratório de “vida sintética” inevitavelmente iniciou discussões sobre desdobramentos éticos e jurídicos. A equipe de Craig Venter, partindo do arquivo eletrônico com a descrição do sequenciamento do genoma de uma bactéria, reproduziu-o com bases químicas, inserindo-o numa célula de outra bactéria, da qual extraíram previamente o DNA. O ser assim gerado se desenvolveu e se reproduziu.Essa experiência deve se repetir com animais mais complexos, como mamíferos e, evidentemente, o ser humano. Conhecido o sequenciamento do genoma de uma pessoa qualquer – digamos, Albert Einstein –, será possível aglutinar em laboratório timinas, adeninas, guaninas e citosinas rigorosamente na mesma ordem, implantá-las numa célula reprodutiva humana sem DNA, transpô-las ao útero de uma mulher e aguardar que o ciclo natural da gestação cuide do resto. Einstein renascerá? Não é possível ter certeza disso, pois ainda são inconclusas as discussões sobre a extensão da influência do meio sobre o desenvolvimento da personalidade. Quer dizer, se o bebê não for amado ou desamado na mesma forma que foi o pequeno Albert, na Alemanha do último quarto do século 19, é quase certo que terá perfil psicológico diferente. Além disso, será uma pessoa nascida em outro tempo e lugar, com outra história. É provável, assim, que se frustrem as expectativas depositadas no futuro desempenho intelectual do rebento. O temor dessa variante de clonagem é injustificado. Se certa memória da história de cada um de nós se imprime, de algum modo, em nossas timinas e demais bases químicas do DNA, a pessoa gerada a partir da reprodução do mesmo esquema de sequenciamento de genoma de outra não transportará essa memória, as a eventualmente contida nas bases empregadas pelos cientistas. Outro uso da técnica objeto do experimento é que deve preocupar as discussões éticas e jurídicas. Se com as pesquisas genômicas descobrirmos como desenhar em computador um ser humano ideal, inapto a desenvolver as doenças conhecidas de origem genética, será possível à medicina curar esses males desde o início. O casal com propensão a gerar filhos com determinada doença poderia contratar os serviços de uma clínica de fertilização que ajustaria o sequenciamento das células reprodutivas ao projeto ideal de ser humano, eliminando o risco. Aqui reside a questão crucial, de ordem ética e jurídica. Deve a lei reconhecer aos casais que desejam ter apenas filhos saudáveis o direito de utilizar essa técnica? Sendo a saúde apenas uma de muitas características portáveis por nós, a questão se abre igualmente a uma gama imensa de possibilidades – tipo de inteligência, compleição física etc. Essa discussão interessa apenas a quem não crê num Deus criador e ordenador. Aqueles que acreditam ter o homem, com essa conquista científica, definitivamente avançado o sinal e afrontado a vontade divina não necessitam do aclaramento da dúvida ética ou jurídica. Basta-lhes a crença para inibi-los a utilizar a técnica, ao gerarem seus filhos. A discussão deve ser contextualizada, assim, numa questão filosófica altamente complexa e, por isso mesmo, constantemente evitada: a de quanto a atual sociedade democrática enfraquece a espécie humana. A seleção natural é, evidentemente, o processo de supremacia do mais forte, do mais apto a relacionar-se com o meio ambiente. A cultura liberta o ser humano dessa cruel imposição da seleção natural. Permite à espécie humana, após longo processo civilizatório, integrar também membros desafortunados, portadores de limitações físicas ou mentais. Mas, ao desafiar o princípio básico da seleção natural, dando chance de viver e se reproduzir a todos os homens e mulheres, e não somente aos mais aptos, a cultura acaba envolvendo a espécie humana numa estratégia arriscada. A discussão é altamente complexa e constantemente evitada, porque pode resvalar em execráveis postulações de controle da “pureza” da espécie humana. Não é disso que se trata. A sociedade democrática deve continuar a abrigar todos os homens e mulheres, sem qualquer distinção, em vista da plena igualdade de dignidade que cada um de nós carrega. Mas, sem abrir mão desse valor fundamental, conquistado a duras penas, talvez não devamos deixar de nos preocupar com a pertinência das estratégias adotadas enquanto espécie em evolução. A técnica prometida por aquele experimento pode atender à delicadíssima questão evitando-se as limitações na origem. O ser humano caminha para ter nas mãos o controle da evolução. Assim como deverá, um dia, de controlar a evolução da própria espécie, poderá também submeter à mesma lógica a das demais. Os dois vetores tendem a se desenvolver simultaneamente. O processo de evolução das espécies, que hoje designamos como “seleção natural”, corre o risco de se transformar em algo próximo ao que poderíamos deduzir da expressão “seleção cultural”. Isto só aumenta a já enorme responsabilidade do Homo sapiens.

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