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4 de mar. de 2016

#SalaSocial Por que milhares de mulheres estão usando as redes sociais para abandonar a pílula

Erick DauImage copyrightErick Dau
Image captionGiovanna Raquel, 17, parou de tomar os comprimidos depois que teve uma embolia pulmonar
"Pare de tomar a pílula/ porque ela não deixa nosso filho nascer." Era 1970 e Odair José cantava sobre os comprimidos que enfim separavam sexo e gravidez. Depois da revolução sexual da década anterior, a pílula significava liberdade para muitas mulheres.
Mais de quarenta anos depois, porém, brasileiras se dizem presas à pílula. Elas fazem parte de um movimento que vem crescendo nas redes sociais e discute como parar de tomar esse anticoncepcional e quais são os métodos alternativos a ele, incluindo a tabelinha. No Facebook, grupos sobre o assunto chegam a ter 25 mil participantes.
Uma página, com 80 mil curtidas, ajuda a explicar o motivo: em "Vítimas de Anticoncepcionais, unidas pela vida", mulheres contam as experiências negativas que tiveram ao tomar os contraceptivos orais.
Os relatos vão de mudanças de humor a enxaquecas diárias e casos de trombose (formação de coágulo dentro de vaso sanguíneo). Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), contraceptivos com drospirenona, gestodeno ou desogestrel levam a um risco 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso em um ano.
Os laboratórios que produzem as pílulas mais populares no país, Bayer (Diane 35, Yaz), Eurofarma (Selene) e Libbs (Elani Ciclo), afirmam que os benefícios para o corpo superam os problemas. Dizem também que os efeitos estão descritos na bula e, com orientação médica, o uso é seguro. Mesmo assim, as participantes dos grupos reclamam que o acompanhamento é insuficiente.
Image copyrightReproducao Facebook
Image captionPáginas no Facebook reúnem mulheres que desistiram ou pretendem desistir da pílula
"Nem todos os efeitos colaterais são falados pelo médico", diz a designer Gabriela, 28, que faz parte de grupos de discussão online. Usuária dos comprimidos desde os 19 anos, ela diz que tinha enxaquecas que duravam semanas.
"Quando as crises pioraram, eu vomitava. No meu aniversário, foi tão forte que, durante uma hora, perdi a visão completa de um olho."
Gabriela foi a vários neurologistas, que a aconselharam a parar com o anticoncepcional oral. Ela poderia ter uma trombose nos olhos. A recomendação é seguida há dez meses.

Mudanças de humor

Outra queixa recorrente são as mudanças de humor, também descritas nas bulas. Distúrbios psiquiátricos e estados depressivos estão nas contraindicações de vários medicamentos.
A relações públicas Carla Costa, 31, tem depressão e diz que, enquanto tomava a pílula, seu quadro piorava. "Em dois períodos do ciclo menstrual ficava muito deprimida, encolhida na cama, chorando sem motivo por horas. Isso parou de acontecer."
Na última cartela de comprimidos, a publicitária Maíra de Azevedo, 27, diz que decidiu parar com os hormônios porque seu emocional é como "um trem desgovernado". "Tenho todos os sintomas: dor de cabeça, enjoo e uma perda total da libido. Nunca quero saber de ninguém."
A ação do estrogênio e progesterona sintéticos - presentes na maioria dos anticoncepcionais hormonais - sobre o cérebro feminino é pouco conhecida.
Image copyrightarquivo pessoal
Image caption'Meninas de 14, 15 anos começam (a ingerir) hormônios e nem entendem como o seu corpo funciona', diz Débora
No ano passado, um trabalho da Universidade da Califórnia em Los Angeles indicou que esses hormônios podem encolher certas regiões do cérebro ligadas ao controle emocional e alterar seu funcionamento.
Uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, Nicole Petersen diz que "o mecanismo pelo qual isso pode ocorrer é completamente desconhecido neste momento". Apesar do potencial dano das pílulas, a pesquisadora pondera que algumas mulheres se beneficiam do uso e têm variações positivas de humor.
Professora do departamento de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, Carolina Sales também destaca os benefícios do medicamento, como a redução das possibilidades de câncer de ovário e de intestino. Ela atenta que o uso deve ser acompanhado de um ginecologista. Mas ressalta que nem sempre o profissional tem informações para a paciente.
"Na formação (do médico), há contato com poucos métodos. E as consultas são muitos curtas, o que diminui o tempo de orientação. A pílula é o mais fácil."
Para Sales, a falta de informação vale também para quem está do outro lado da mesa: "há um desconhecimento sobre as classes diferentes de hormônios. Elas colocam tudo no mesmo balaio."

Sem explicações

Todas as mulheres ouvidas pela BBC Brasil disseram procurar os grupos online - atitude geralmente pouco recomendada pelos médicos - porque seus ginecologistas não deram muitas explicações sobre outros métodos ou se recusaram a falar. Lá, trocam experiências sobre deixar a pílula (o que muitas vezes leva aumento de acne, oleosidade da pele e cabelos) e aprendem como funciona o DIU (dispositivo intrauterino), a tabelinha e a camisinha feminina.
"Na última vez, quando tentei largar o anticoncepcional, acabei trocando de pílula. Fui a vários médicos e sempre tenho a percepção de que queriam empurrar outra marca", diz Carla Costa, que abandonou o medicamento em novembro.
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Image captionGiovanna Raquel, 17 anos, ficou dois meses internada por causa de uma embolia pulmonar, que começou com uma dor nas pernas após início de consumo da pílula
A ginecologista Halana Faria, do Coletivo Feminista Saúde e Sexualidade, diz que os médicos temem correr riscos, já que métodos como o DIU exigem mais tempo e cuidado. Se não for bem colocado, pode haver perfuração do útero. Além disso, se a mulher não se proteger nas relações, há chances de infecção.
"O médico presume que as mulheres não são capazes de manejar isso nas suas vidas. O discurso é moldado por aquilo que ele considera ser mais confortável. Já ouvi: 'não coloco mais DIU, por que vou me complicar?'".
As comunidades na internet também reúnem muitas reclamações sobre ginecologistas que não pedem exames antes de receitar os comprimidos. As queixas vêm acompanhadas de relatos sobre problemas sérios de saúde.
Um dos depoimentos é da estudante Giovanna Raquel, de 17 anos. Ela ficou dois meses internada por causa de uma embolia pulmonar. Tudo começou com uma forte dor nas pernas, meses após começar com a pílula. Muitas consultas com ortopedistas depois, ela descobriu que tinha trombose.
"Um médico imaginou que fosse uma entorse (lesão nos ligamentos). Outro chegou a me chamar de manhosa. Disse que a dor não existia."
A entrevista com Giovanna foi feita por Facebook, já que ela estava de volta ao hospital. Suspeitava-se que o problema tivesse voltado.
Segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), a obrigatoriedade de exames de rotina para rastreamento de trombofilias não é adequada, por causa da raridade das condições e do custo dos exames.
A BBC Brasil procurou o Conselho Federal de Medicina e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) para saber como os profissionais deveriam proceder nesses casos, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

Tabu

Quando conseguem informações e decidem parar a pílula, as mulheres têm que explicar sua decisão para médicos, amigos e família. E esclarecer que isso não significa um bebê a caminho.
Em uma consulta, a estudante de relações públicas Nathalia Lira, 21, ouviu de sua médica que, sem os comprimidos, "logo logo engravidaria".
"Quando eu dizia que estava satisfeita só com o preservativo, ela pedia um exame Beta hCG, porque aparentemente eu poderia estar grávida a qualquer momento."
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Image captionNathalia desistiu dos comprimidos, mas ouviu da médica que logo engravidaria
As amigas da assistente administrativa Renata Peixer, 25, ficaram apavoradas. "Elas perguntaram: 'Como você faz com seu namorado?' Você fala de DIU e elas não conhecem."
Prevendo as perguntas que viriam, a designer Gabriela preferiu não falar. "As pessoas te julgam muito. Na minha família ninguém sabe, nem na do meu namorado. Elas acham que vou engravidar e aí a responsabilidade vai ser minha."
Para quem escolhe os chamados métodos comportamentais, como a tabelinha (abstinência durante o período fértil) e a observação do muco vaginal (que vai mudando a cada fase do ciclo), a discussão é ainda maior.
Isso porque, segundo Febrasgo, OMS e Ministério da Saúde, esses métodos têm porcentagem de falha entre 1% a 25%. O da pílula vai de 0,1 a 8%.
Por isso, a ginecologista Halana Faria recomenda o uso combinado com a camisinha ou o DIU.
É o que faz a funcionária pública Debora Londero, 26. Apesar de conhecer os aplicativos para celular lançados com o mesmo propósito, ela é adepta de riscar as folhas do calendário.
"Notei esses pequenas mudanças no corpo, que nunca tinha percebido. As meninas de 14, 15 anos começam (a ingerir) hormônios e nem entendem como o seu corpo funciona."
Halana Faria vê que a discussão cresceu nos últimos anos, num ambiente mais aberto às questões feministas e ao controle do próprio corpo.
"Os médicos dizem 'você está louca, sua mãe usava isso, você é moderna'. Mas não somos as mulheres que éramos antes. Estamos usando aplicativos para melhorar as coisas que as nossas avós já faziam."

Mito ou verdade: transtornos mentais melhoram a criatividade?

  • 3 março 2016
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Image captionApesar de casos famosos nas artes, cientistas ainda tentam ligar criatividade a transtornos mentais
Todos nós somos capazes de citar pessoas famosas que, como Vincent Van Gogh, Virginia Woolf ou Robin Williams, são excepcionalmente criativas mas também sofrem de distúrbios mentais.
São tantos os exemplos que parece óbvio existir uma relação entre as duas características. Mas será que a ciência comprova isso?
Bem, a realidade é que existem pouquíssimos bons estudos sobre o assunto. Uma revisão de 29 pesquisas realizadas antes de 1998 mostrou que 15 delas não encontraram nenhuma ligação entre os distúrbios mentais e a criatividade, enquanto nove encontraram uma ligeira relação e outros cinco foram inconclusivas.
E algumas dessas análises eram apenas estudos de caso, e não um experiência aprofundada.

Procurando a ligação

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Image captionSegundo alguns cientistas, distúrbios como a depressão podem inibir a motivação
Uma das dificuldades é que ainda não é fácil definir ou medir a criatividade de um indivíduo. Por isso, pesquisadores geralmente usam recursos como a profissão de voluntários para catalogá-los em níveis de criatividade.
Um estudo de 2011 na Suécia descobriu que pessoas com transtorno bipolar tinham 1,35 mais chances de trabalharem em áreas mais “criativas”, como as artes, a fotografia, o design e a ciência. Mas a mesma pesquisa indicou que não havia diferenças quando se tratava de casos de ansiedade, depressão ou esquizofrenia.
Como a gama de profissões incluída no estudo era bastante restrita, a realidade é que suas conclusões não nos revelam se profissionais das áreas mais criativas têm mais chances ou não de desenvolver o transtorno bipolar do que aqueles que atuam em campos mais exatos.
Entre as pesquisas mais citadas quando se tenta estabelecer uma relação entre criatividade e distúrbios mentais está uma realizada pela Universidade de Iowa, nos anos 80. O estudo comparou 30 escritores com o mesmo número de profissionais que não escreviam, durante um período de 15 anos. O primeiro grupo apresentou mais propensão ao transtorno bipolar do que o segundo. Mas, apesar de popular, essa análise sempre foi bastante criticada no meio científico.
Mas mesmo que os resultados não sejam precisos, há um importante elemento de causalidade. Será que os supostos benefícios criativos do transtorno bipolar tornaram os escritores mais propensos a escolher essa profissão, ou será que os sintomas os impediram de seguir carreiras mais “convencionais”? É difícil saber a resposta.
Estudar pessoas famosas ou personalidades de destaque em suas áreas de atuação é um recurso muito usado por pesquisadores que tentam encontrar a relação entre transtornos mentais e a criatividade. Há registros de análises feitas no início do século 20 – e que não conseguiram estabelecer essa ligação.

Em que acreditamos?

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Image captionO principal problema da ciência é encontrar uma maneira de medir a criatividade
Então, se os indícios são tão duvidosos ou sequer existem, por que temos a percepção de que a genialidade está atrelada a algum distúrbio mental?
Um dos motivos é, na realidade, uma intuição de que pensar de maneira diferente ou vivenciar a energia e a determinação durante um episódio de mania podem ajudar a aumentar a criatividade.
Alguns cientistas argumentam que essa relação é ainda mais complexa, e que esses transtornos permitem que os pacientes pensem de uma maneira mais criativa, mas que fases mais agudas de um distúrbio na realidade até inibem a criatividade. A depressão, por exemplo, é algo que pode “sugar” a motivação.
Muitos estudiosos, no entanto, argumentam que a ligação entre criatividade e doenças mentais é algo muito evidente quando ocorre. Histórias como a de Van Gogh decepando a própria orelha em um momento de loucura (e décadas de especulação sobre se isso realmente aconteceu) tornam o caso vívido em nossas mentes. Não somos alimentados com imagens de artistas criando obras geniais e sendo felizes ao mesmo tempo.
E mais: existem até potenciais desvantagens em se acreditar que uma mente atormentada é mais criativa. Alguns indivíduos que acreditam que seus distúrbios mentais os tornam mais produtivos deixam de tomar seus medicamentos, por exemplo. Há ainda o risco de essas pessoas creditarem seu sucesso a alguma doença e não a seu próprio talento.
E aquelas que sofrem de algum transtorno e não encontram um talento excepcional? Será que não suportam uma pressão maior do que deveriam?
Certamente, a ideia de que um problema mental tem um lado positivo é bastante reconfortante. Mas talvez essa noção persista no imaginário coletivo simplesmente porque é o que queremos acreditar.

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