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24 de mar. de 2012

Manipulação genética Células-tronco podem ser reprogramadas para serem mais saudáveis?


Por Susan Young, da revista Nature

Uma equipe de pesquisadores corrigiu um gene defeituoso nas células-tronco pluripotentes induzidas (iPS) derivadas de células da pele de pessoas com uma doença hereditária metabólica do fígado. Os pesquisadores então desenvolveram as células-tronco em algo semelhante a células do fígado. Esse trabalho foi publicado recentemente na revista Nature.

A Alfa-1-antitripsina (A1ATD) é a doença genética do fígado mais comum, sendo causada por uma mudança no nucleotídeo único no gene que codifica a alfa-1-antitripsina (A1AT), inibidor da enzima que normalmente protege os tecidos corporais. A condição pode resultar em cirrose hepática, passível de ser tratada apenas com um transplante de fígado, e em um risco aumentado de câncer de pulmão e enfisema. A cura genética para a doença exigiria substituir completamente o gene mutado, porque qualquer proteína disfuncional restante continuaria formando agregados prejudiciais. "Você não pode simplesmente colocar uma cópia normal, porque isso não é suficiente para mudar a doença", diz Allan Bradley, geneticista do Instituto Wellcome Trust Sanger em Hinxton, Reino Unido, que é coautor do estudo mais recente.

Para corrigir a mutação, Bradley e seus colegas usaram uma molécula de engenharia chamada nuclease zinc-finger para descobrir e unir o gene defeituoso A1AT em células iPS derivadas de células da pele de pessoas com A1ATD. Eles usaram uma molécula de DNA de autoinserção chamada piggyBac para substituir a parte danificada.

Os pesquisadores então estimularam o gene corrigido das células iPS a se diferenciar em células que apresentaram alguns traços dos hepatócitos, que são as células do fígado mais afetadas pela A1ATD. Eles transplantaram hepatócitos em camundongos e, 14 dias depois, algumas das células corrigidas tinham integrado o fígado de roedores e foram capazes de produzir A1AT humana.

Embora as células corrigidas possuíssem várias características dos hepatócitos, não está claro se estes seriam capazes de agir como células do fígado totalmente maduras e, eventualmente, repovoar o órgão danificado por inteiro. Ninguém ainda foi capaz de reprogramar as células iPS em células totalmente maduras de qualquer tipo, sejam eles hepatócitos, células cardíacas ou neurônios, diz Markus Grompe, que estuda células-tronco do fígado na Oregon Health and Science University, em Portland."Estou ciente de que ninguém pode fazer um sósia real para qualquer tipo de célula", diz ele.

Verificação de antecedentes
Células-tronco cultivadas em laboratórios são conhecidas por construir mutações destinadas a verificar que suas alterações não foram piorando as coisas. Os pesquisadores sequenciaram o genoma de uma das linhas iPS de células corrigidas e compararam-no com os genomas das células da pele dos pais e com as células iPS não corrigidas. Em torno de duas dúzias de mutações surgiram na célula iPS não corrigida em comparação com a célula da pele dos pais, mas houve apenas algumas mutações em pontos extras nas linhas de células corrigidas.

"A correção genética não aumenta o número de anomalias genéticas que você pode encontrar em células iPS", diz Ludovic Vallier, biólogo de células-tronco da University of Cambridge, no Reino Unido, e um dos coautores do estudo. No entanto, Vallier está preocupado com o número de alterações nas linhas de células reprogramadas. Antes que as células possam ser desenvolvidas em uma terapia clínica, os pesquisadores devem entender as consequências biológicas dessas mutações, diz ele.

“Sequenciamentos como este deveriam se tornar padrão no campo de pesquisa', explica Stephen Duncan, biólogo no Medical College of Wisconsin, em Milwaukee. Dadas as descobertas sobre essas células em cultura, “temos de garantir que, quando se pensa em uma terapia de reposição de gene no contexto das células iPS, um esforço muito considerável é feito para se certificar de que as células são normais", diz ele.

Este artigo foi reproduzido com permissão da revista Nature. 

SCIAM.COM

O fascínio da memória


Relações entre emoção e fatores cognitivos demonstram a complexidade dos sistemas neurobiológicos responsáveis por diferentes dimensões da memória
por Mauro Maldonato e Alberto Olivero
ilustrações Oscar Vargas
A memória humana é uma faculdade maravilhosa e enganosa. Embora muitos a considerem um arquivo imutável de experiências e recordações, o que ela guarda não está esculpido em pedra. De fato, as lembranças tendem a desbotar com o tempo, deformando-se e indo ao encontro, mesmo em condições normais, de uma lenta decadência, de um esquecimento fisiológico. E não é raro que gerem em nós perturbadoras sensações de estranheza, fragmentação, não pertencimento e até mesmo recombinações ilusórias de imagens e informações que ocupam nossa mente como um caleidoscópio. A memória e o esquecimento, a imutabilidade e a reestruturação das lembranças são aspectos tanto conflitantes quanto complementares de nossa mente. Essa ambiguidade tem um valor evolutivo crucial. Se, de um lado, a memória desempenha uma função adaptativa fundamental para a espécie humana, de outro, sem a capacidade de esquecer não aprenderíamos nada de novo, não corrigiríamos nossos erros, não inovaríamos velhos esquemas. Assim, é plausível afirmar que, enquanto a memória tende a preservar a história individual e coletiva, o esquecimento tende a ofuscar, progressivamente, as recordações infantis, os eventos do passado, os empreendimentos coletivos, as antigas memórias. Não por acaso, os humanos erguem lápides e monumentos para se defenderem do esquecimento.

Essa ambiguidade não se deve apenas à sua natureza vasta e heterogênea, mas também a suas relações intricadas. A própria natureza polissêmica do termo memória – utilizado por biólogos, psicólogos, antropólogos e historiadores para se referirem a processos e situações muito diferentes entre si, ainda que unidos pelo elemento comum da “flecha do tempo” – dificulta o aparecimento de um significado compartilhado e de fronteiras conceituais bem definidas. A etimologia grega do termo – mneme e anamnesis – espelha uma clara distinção entre a memória como esfera essencialmente intacta e contínua, e a reminiscência ou anamnese como exercício de presentificação das lembranças que o esquecimento vela. EmMenon, Fedro e outros diálogos, Platão afirma que todo conhecimento verdadeiro, todo aprendizado autêntico, é, na verdade, anamnese, esforço para chamar de volta à mente o que havia sido esquecido.

Hoje, uma época de predomínio cultural do paradigma medico- biológico, a memória (mneme) é identificada como um mecanismo cerebral puro, um arquivo das informações do sistema nervoso central; por seu lado, a reminiscência (anamnesis) é igualada a alguma coisa mais complexa e sutil do que o simples registro dos eventos. A reminiscência, de fato, implica uma reflexão sobre o passado, uma evocação das lembranças prazerosas ou dolorosas, sepultadas ou censuradas, que formam a essência de nossa individualidade. Mas, como é evidente, a disponibilidade do arquivo não coincide necessariamente com sua consulta e, portanto, a mera existência de uma lembrança, boa ou deficitária que seja, não se identifica com o princípio de identidade e de unicidade que decorre da individualidade de nossas recordações, conforme considera Oliverio. Nos últimos anos, os neurocientistas descreveram meticulosamente as bases moleculares, os fenômenos sinápticos e as alterações dos circuitos nervosos da memória, tentando preencher – por métodos não invasivos e multiparamétricos das imagens cerebrais – as lacunas explicativas da pesquisa psicológica. O conhecimento detalhado dessas dimensões poderia parecer pouco relevante aos que veem a mente como um conjunto de vivências diferentes e de experiências privadas e indizíveis. Em diferentes situações ligadas a danos e alterações da função nervosa, no entanto, a interpretação neurobiológica é fundamental para a compreensão do que acontece em nossa mente, como são reestruturadas as lembranças, como se dá o esquecimento.
Psicobiologia da memória

Os primeiros estudos experimentais sobre a memória remontam à segunda metade do século 19, quando o alemão Hermann Ebbinghaus divulgou entre a comunidade científica um texto – Über das Gedachtnis(1885) – relatando experimentos sobre a memória e o esquecimento que realizara sobre si mesmo. Nessa obra, um verdadeiro marco da psicologia, ele mostrou a existência de uma curva do aprendizado e de uma curva do esquecimento. Ebbinghaus recorreu a um método – definido como da “poupança”– que consistia em decorar diversas séries de listas que continham silabas destituídas de sentido (ARB, DRE, MIR, NOT e assim por diante); o procedimento era repetido, mais de 100 vezes, com uma lista diferente depois de 20 minutos, 1 hora, 9 horas, 1 dia e mais dias. O experi mento demonstrou que se entre a primeira e a nona hora havia uma queda rápida do que fora aprendido, à medida que o tempo passava após o fim da prova o processo de esquecimento se tornava mais lento: isto é, exatamente no polo oposto daquilo que se dava com o processo de aprendizado.

Para um enquadramento psicobiológico da memória foi necessário esperar até meados do século passado, quando o neurofisiologista canadense Donald O. Hebb formulou a hipótese do “duplo rastro”. Segundo essa hipótese, uma experiência altera um circuito nervoso responsável por uma codificação a curto prazo (de poucos segundos ou minutos de duração), modificando a atividade elétrica de alguns neurônios capazes de codificar a informação de maneira precária, instável. A esse tipo de codificação segue-se outra, estável, a memória de longo prazo (de meses ou anos de duração), ligada a modificações estruturais duradouras dos neurônios ou dos circuitos nervosos (consolidação da memória). Segundo Hebb, os dois tipos de memória correspondem a modificações funcionais das sinapses nervosas (memória de curto prazo) e a modificações estruturais ou permanentes das sinapses nervosas e dos neurônios (memória de longo prazo). A hipótese postulada por Hebb há aproximadamente meio século sobre a plasticidade funcional ou estrutural neural e sináptica – que implica uma reestruturação de escala das redes nervosas – recebeu inúmeras confirmações experimentais.

Uma das mais importantes referências ao modelo hebbiano está relacionada a pesquisas sobre as bases neurobiológicas da memória, em boa parte fundamentadas na análise das alterações da atividade elétrica neural e sináptica: particularmente da denominada potencialização de longo prazo (Long-term potentiation, LTP) da atividade elétrica das sinapses nervosas. Durante a LTP, em decorrência de um estímulo especialmente intenso ou repetido ao longo do tempo, uma sinapse potencializa seu nível de resposta, incrementando sua eficiência em até duas vezes e meia. Esse incremento da atividade elétrica sináptica se desenvolve em poucos minutos após o estímulo inicial e permanece relativamente estável por um bom tempo; em determinadas condições, por várias semanas. Na essência, quando um estímulo signifitivo é recebido por um neurônio, como no caso dos estímulos que se seguem repetidamente durante o condicionamento, pode- se verificar um aumento da eficiência das suas sinapses. Com o tempo, aliás, podem se formar outras sinapses que contribuem para conectar os neurônios em um novo circuito – o chamado circuito local – que codifica uma experiência ou memória específica. Portanto, de uma alteração funcional inicial (a atividade elétrica vinculada a modificações dos íons, entre eles o cálcio) os neurônios vão em direção
a modificações estruturais provocadas pelas alterações de algumas enzimas e pela síntese de proteínas que alteram o esqueleto dos neurônios, estimulando a formação de sinapses que se soldam entre si. As variações do circuito nervoso permitem registrar a informação no interior de redes neurais.

A reestruturação das redes nervosas que se segue à experiência é o fundamento de uma teoria da mente – ou do cérebro – conhecida com o nome de “conexionismo”. Segundo esse modelo a mente dependeria da existência de redes que se auto-organizam, pois cada unidade da rede (os neurônios) se caracteriza por um nível numérico de atividade que muda, no tempo, em função da atividade das unidades às quais está conectada e pela força das conexões ou nós. Na origem do aprendizado haveria essas mudanças. Para os conexionistas o cérebro se adaptaria ao ambiente por meio da rede (ou circuito local), espelhando suas características salientes graças a variações sinápticas.

Do ponto de vista empírico o neurocientista americano Erik Kandel demonstrou que nos invertebrados (como nos vertebrados superiores) o registro de uma experiência está correlacionado aos mecanismos do LTP e da formação de sinapses. Essas evidências foram obtidas pelos experimentos de Kandel, em 2007, com lesmas-do-mar, Aplysia californica, que reagem a um estímulo tátil (um fino jato de água) retraindo a brânquia com uma conduta de autoproteção explícita: conduta que se extingue se os jatos de água continuam no mesmo ritmo. O acostumar-se da Aplysia dura o tempo em que se deu a mudança no âmbito dos circuitos nervosos. De fato, as sinapses entre o neurônio sensitivo (que reage ao estímulo tátil) e o motor (que ativa os músculos da brânquia) se tornam mais estáveis e se comunicam mais facilmente através dos mensageiros nervosos para a consolidação da experiência. Esses experimentos, que deflagraram diferentes pesquisas com outras espécies animais, incluindo-se os mamíferos, indicam que a consolidação de uma experiência se baseia em mecanismos similares e que nos mamíferos as experiências são consolidadas graças a modificações bioelétricas que envolvem o hipocampo, estrutura do sistema límbico que vai em direção de LTPs em diferentes fases da memorização e que está funcionalmente ligado ao córtex temporal.

O papel da amígdala e do hipocampo

Até aqui consideramos a memória sem examinar a influência das emoções em suas esferas psicológicas. Os processos emotivos influenciam e modulam profundamente a biologia da memória. Na verdade, elas provocam inúmeras modificações vegetativas somáticas, cuja tarefa não é apenas informar o cérebro de que o corpo está emocionado – conferindo precisos matizes a determinadas experiências – mas também consolidar as experiências. Pensemos, em relação a isso, no papel exercido pelas endorfinas (peptídeos de ação analgésica similar à morfina que o cérebro libera em resposta a estímulos de dor ou emotivos) ao alterar a função dos mediadores nervosos que modificam a atividade das sinapses nas redes dos neurônios que registram as experiências.

As emoções intervêm tanto diretamente nos mecanismos da memória, agindo na bioquímica cerebral, quanto indiretamente, por mensagens que o corpo emocionado envia ao cérebro. Trata-se de evidência já consolidada de que nos animais submetidos a experiências ricas de componentes emocionais a memorização é potencializada, já que os nervos (as fibras do nervo vago) indicam ao cérebro a liberação, em âmbito periférico, de substâncias típicas dos estados emocionais, como a adrenalina, secretada pelas glândulas suprarrenais. Nesse sentido, a biologia da memória não diz respeito apenas àqueles fenômenos neurobiológicos que asseguram a codificação de curto ou longo prazo das experiências, mas também à modulação exercida pelas estruturas nervosas e moléculas vinculadas à emoção.

As relações entre emoção e fatores cognitivos mostram o quanto são complexos os sistemas neurobiológicos responsáveis pelas diferentes dimensões da memória. Há quase meio século, o neurocirurgião americano William Scoville e a neurocientista inglesa Brenda Milner descreveram o caso clínico de um paciente, que mais tarde ficou famoso com suas iniciais, HM, que desde o nascimento padecia de uma grave forma de epilepsia que tornava sua vida bastante penosa. O procedimento neurocirúrgico para remover o tecido nervoso que causava as convulsões teve sucesso. A capacidade de percepção de eventos, raciocínio, fala e de recordar os eventos mais recentes foi conservada, assim como a memória semântica, apenas parcialmente alterada. Na íntegra, ao contrário, estava a capacidade de revocar tanto os eventos anteriores à cirurgia, quanto os seguintes a esse procedimento. Tratava-se de uma amnésia episódica tanto retrógrada (o passado) quanto anterógrada (experiências seguintes).

A situação de HM, no entanto, era estranha. As lacunas de sua memória não diziam respeito a sua vida inteira, mas apenas aos anos mais recentes, aproximadamente uma dezena deles. Os déficits da memória infantil e do início da adolescência eram muito menos relevantes. A singularidade do caso HM induziu neuropsicólogos a refletir: se a sede da memória fosse a região temporal média, sua ablação cirúrgica teria inibido a formação de novas lembranças, mas também apagaria todas as lembranças do passado. HM, no entanto, guardava as lembranças mais antigas, as consolidadas, distribuídas nos circuitos corticais: isto é, aquelas que – após horas, meses ou até mesmo anos – a região temporal média (hipocampo, amígdala e córtex temporal) codifica em experiências, decompõe em categorias, conota com base em seu significado e, enfim, distribui nas várias regiões do córtex cerebral.

Em decorrência dos estudos sobre HM e sobre as relações entre hipocampo, lóbulo temporal e memória, as pesquisas passaram a examinar as estruturas nervosas que, se prejudicadas, provocam amnésia. Esses estudos demonstraram que a região temporal está vinculada ao sistema límbico (amígdala e hipocampo) e essa região com o diencéfalo (tálamo) através do fórnix: região temporal, sistema límbico e tálamo formam uma espécie de circuito da memória de que, obviamente, faz parte todo o córtex cerebral, em conexão com o temporal. Todas essas estruturas nervosas estão envolvidas na chamada memória explícita, que implica um reconhecimento consciente das experiências de vida. De fato, sensações e experiências, para serem transformadas em memórias explícitas, devem atravessar uma espécie de funil, a região temporal, e, daí, passando pelo hipocampo e pela amígdala (em que são conotadas por características espaciais e emotivas entre outras) alcançar o diencéfalo (tálamo) onde as experiências são reunidas e registradas sob forma de memórias estáveis nos circuitos cerebrais. Esse circuito córtex temporal-hipocampo-diencéfalo permite conectar as diferentes experiências da vida diária (sensações, imagens mentais, emoções, avaliações e juízos de realidade) para transformá-las em memória episódica, em eventos de nossa história individual. Trata-se de estruturas que desempenham papel também na memória semântica, como quando aprendemos nomes novos, registramos estavelmente números de telefones e aprendemos novos vocábulos. Por isso, conforme a amplitude da lesão nervosa, os pacientes amnésicos têm dificuldade não apenas para formar novas lembranças ou para acessar recordações existentes, mas também para apreender novas experiências.

Nos últimos anos o estudo da função dos núcleos subcorticais – entre os quais o conjunto do estriado-caudato-putâmen e núcleo accumbens – solicitou um modelo de memória mais complexo, que integra seus diferentes componentes cognitivos, emocionais, motivacionais. É coisa notória, aliás, que lembramos os eventos emotivamente significativos, e que a motivação e o reforço têm um papel central no aprendizado. Interface entre funções cognitivas, motoras e motivacionais é o estriado ventral. Ele está no centro tanto dos comportamentos “motivados” voltados a uma finalidade, como do tratamento de informações que dizem respeito ao contexto, fundamentados em associações complexas entre estímulos diferentes.

No âmbito dessa rede funcional o hipocampo desempenharia a função de monitoramento do ambiente exterior, correlacionando entre si velhas e novas informações, como as velhas e as novas memórias espaciais; a amígdala estaria envolvida na regulação das respostas emotivas e, portanto, na aproximação de novos estímulos; enfim, o córtex pré-frontal estaria envolvido no planejamento das respostas. Essa hipótese é corroborada por inúmeros resultados experimentais que mostram que o bloqueio das vias que alcançam o estriado ventral a partir do córtex pré-frontal ou do hipocampo inibe a formação e a elaboração de associações entre informações não reforçadas (associações estímulo-estímulo), essencial nos processos cognitivos complexos; enquanto lesões do núcleo basal lateral da amígdala, ou das vias que partem daí para o estriado induzem a um déficit da resposta normal aos novos estímulos e das respostas emotivas.

Fidelidade e infidelidade da memória

Como foi observado, a memória vai ao encontro do esquecimento, evolui no tempo, se reestrutura e é influenciada por outras experiências e lembranças. Essa mutabilidade foi confirmada essencialmente por duas linhas de pesquisa: uma experimental, a outra, clínica. A primeira valeu-se das pesquisas de Larry R. Squire (1987) sobre os efeitos negativos do eletrochoque (tratamento ainda utilizado pelos psiquiatras nos casos de depressão grave e resistente aos psicofármacos) na memória humana e animal. O neurocientista americano observou que o eletrochoque aplicado logo após uma experiência – antes que a memória de curto prazo se consolide na de longo prazo – provoca uma amnésia retrógrada: ou seja, apaga a lembrança daquela experiência devido à interferência do eletrochoque nos mecanismos de consolidação da memória. Ainda assim, o eletrochoque influi não apenas no processo de consolidação da memória: age também nas memórias consolidadas, divergindo da opinião dos que por muito tempo afirmaram que, uma vez consolidada, a memória já não estaria exposta a qualquer condicionamento. A eliminação por eletrochoque de parte das lembranças consolidadas, mesmo após meses – tanto para a esfera das lembranças associativas quanto para a das lembranças cognitivas –, indica que a memória é passível de remanejamentos e reelaborações.

Na verdade, mais que de consolidação da memória fala-se hoje de reconsolidação: um processo contínuo de reorganização da memória, nada objetivo. A reconsolidação é considerada um meio para integrar as coisas novas aprendidas nas experiências anteriores, sujeitas a reestruturações tanto nas formas mais simples do condicionamento animal quanto nas mais complexas memórias autobiográficas. Da mutabilidade das lembranças ao longo do tempo também são testemunhas as análises de pesquisas de tipo longitudinal, fundamentadas em autobiografias, coletadas à distância de 2, 5 e 10 anos pela psicóloga Margareth Linton. A partir de 1972 a psicóloga americana começou a anotar de forma concisa, utilizando sempre o mesmo “módulo” de diário (aproximadamente 3 linhas), diversos eventos cotidianos. Dia após dia ia anotando os acontecimentos, uniformizando a extensão dos registros por meio das habituais três linhas, para evitar que desse um espaço diferente às diversas lembranças, facilitando assim gravar alguns em lugar de outros. Margareth transcrevia pelo menos dois eventos por dia, e, uma vez por mês, puxava ao acaso as fichas relativas a dois fatos, tornava a lê-las, procurava estabelecer suas datas e revocá-los. Na hora da transcrição e da releitura, os acontecimentos eram avaliados também nos termos de sua relevância, das emoções envolvidas, dos significados e assim por diante. Por meio desse procedimento meticuloso, tendo a si mesma como sujeito e objeto do experimento, Margareth chegou a estabelecer que as lembranças vão ao encontro do esquecimento no ritmo de aproximadamente 5% a 6% ao ano. Esse ritmo implicaria o desaparecimento de cerca da metade das lembranças de eventos específicos se esses casos não fossem incluídos no âmbito do mais vasto sistema da memória autobiográfica relativa aos fatos de caráter geral ou aos períodos de nossa vida: de fato, cada um dos tijolos com que são construídos esses recipientes mais amplos pode desagregar, enquanto, ao contrário, a percepção do fluxo das lembranças e de seu significado global permanece.

Em resumo, a persistência de lembranças ou experiências que cada qual considera serem marcos da própria vida não é nada estável. O mesmo evento é narrado de maneira diferente, os detalhes e até mesmo seu significado mudam, como se a memória, em lugar de corresponder a uma fotografia precisa da realidade, fosse um pedaço de massa de modelagem, que vai gradualmente mudando de forma. 

Dor na garganta


dor de garganta, um dos sintomas mais comuns da prática médica, tanto em adultos quanto em crianças, surge geralmente devido a um quadro de faringite e/ou amigdalite.  

Neste artigo vamos abordar as seguintes questões sobre dor de garganta - faringite - amigdalite:
  • O que é faringite e amigdalite.
  • Diferenças entre faringite viral e faringite bacteriana.
  • Sintomas da faringite.
  • Causas de garganta inflamada.
  • Complicações da faringite.
  • Tratamento da dor de garganta.
Após a conclusão deste texto, não deixe de ler: DOR DE GARGANTA | Perguntas mais comuns

Faringite é o nome dado à inflamação da faringe;  amigdalite é a inflamação das amígdalas. Ambas apresentam como principal sintoma a dor de garganta. Como estão anatomicamente próximas, é muito comum a faringe e as amígdalas inflamarem simultaneamente, um quadro chamado de faringoamigdalite. Apesar de inflamarem juntas, algumas pessoas tem predominantemente amigdalite, enquanto outras, faringites. Ao longo do texto vou alternar os termos faringite e amigdalite, mas o que vale para uma, também serve para a outra.

Antes de continuarmos, estudem o desenho ao lado para saberem de que estruturas vou falar a seguir. Todas elas podem ser vistas ao abrirmos a boca em frente a um espelho.

A faringoamigdalite pode ser causada por infecções bacterianas ou virais. A maioria dos casos é de origem viral. Vários tipos de vírus podem levar à faringite e/ou amigdalite. A gripe é um exemplo comum de dor de garganta de origem viral (leia: DIFERENÇAS ENTRE GRIPE E RESFRIADO).

Orofaringe"
Orofaringe
As faringites virais são processos benignos que se resolvem espontaneamente, ao contrário das faringites ou amigdalites bacterianas podem levar a complicações, como abscessos e febre reumática. A dor de garganta causada por bactérias deve ser sempre tratada com antibióticos (explico o porquê adiante).
 
Como distinguir uma amigdalite viral de uma bacteriana?

O modo mais correto é através da coleta de material da garganta por swab ou Zaragatoa, uma vareta com algodão na ponta usada para colher material da área inflamada para posterior avaliação laboratorial. A análise do material colhido pelo swab consegue identificar o agente infeccioso, seja uma bactéria ou um vírus.

Apesar da ajuda do swab, há um problema de ordem prática: a identificação do agente infeccioso demora pelo menos 48-72h. Por isso, muitas vezes os médicos optam por iniciar o tratamento baseado em achados clínicos. Até já existem testes laboratoriais mais rápidos para se identificar bactérias, mas nem sempre há facilidade para se colher e enviar o material para análise.

Explicaremos a seguir como distinguir uma faringite viral de uma faringite bacteriana apenas com elementos clínicos.

Sintomas da faringite | Sintomas da amigdalite

Os sintomas da amigdalites/faringite são:

- Dor de garganta
- Febre
- Dores pelo corpo
- Dor de cabeça
- Prostração

Todos os sintomas citados acima são comuns tanto em infecções virais quanto bacterianas. São necessários, portanto, outros elementos para distinguir uma da outra.

Faringite viral
Faringite viral - Inflamação sem edema de úvula, sem pus ou petéquias.
Normalmente as faringites virais vêm acompanhadas de outros sinais de infecção das vias respiratórias, como tosse, espirros, constipação nasal, conjuntivite e/ou rouquidão. Infecções respiratórias de origem viral não costumam causar sintomas restritos à faringe ou amígdala. Outra dica é que na faringite viral, apesar da garganta ficar muito inflamada, não é comum haver pus. 

Amigdalite bacteriana -  pontos de pus nas amígdalas e inchaço da úvula
Já as amigdalites causadas por bactérias, além de não apresentarem os sintomas respiratórios descritos acima, costumam causar pontos de pus nas amígdalas e aumento dos linfonodos (gânglios) do pescoço. A faringite bacteriana também pode causar edema da úvula e petéquias (pontos hemorrágicos) no palato. A febre da infecção bacteriana costuma ser mais alta que na viral, mas isso não é uma regra, já que há casos de gripe com febre bem alta.

Faringite / amigdalite bacteriana
Amigdalite bacteriana - petéquias no palato
A presença de pus e gânglios aumentados na região do pescoço fala fortemente a favor de uma faringite bacteriana. Entretanto, algumas infecções virais, como a mononucleose infecciosa também podem cursar com estes achados.

A mononucleose é causada pelo vírus Epstein-Barr e costuma se apresenta com febre, amigdalite purulenta e aumento de linfonodos na região posterior do pescoço (ao contrário da amigdalite bacteriana que apresenta aumento dos linfonodos da região anterior do pescoço). Outros sinais e sintomas possíveis são o aumento do baço, perda de peso, cansaço extremo e sinais de hepatite. O quadro de mononucleose pode ser facilmente confundido com uma faringoamigdalite bacteriana. A prescrição de antibióticos, como a Amoxacilina, em doentes com mononucleose pode levar a um quadro de alergia, com aparecimento manchas vermelhas espalhadas pelo corpo. Saiba mais em: (leia: MONONUCLEOSE - DOENÇA DO BEIJO ).

Como se pode ver, a distinção entre faringites virais e bacteriana é importante, já que os tratamentos são diferentes. Se houver suspeita de faringite viral, o indicado é repouso, hidratação e sintomáticos. Se o quadro sugerir faringite bacteriana, devemos iniciar antibióticos visando não só acelerar o processo de cura, mas também a prevenção das complicações e da transmissão para outras pessoas da família, principalmente aquelas com contato íntimo e prolongado.

Complicações das faringites/amigdalites bacterianas

Entre as complicações das faringites bacterianas, a principal é a febre reumática, que ocorre principalmente em jovens e crianças (leia: FEBRE REUMÁTICA | Sintomas e tratamento).

A escarlatina é uma doença causada pela bactéria Streptococcus. Apresenta-se como faringite, febre e rash difuso.(leia: ESCARLATINA | Sintomas e tratamento). 

A glomerulonefrite pós estreptocócica é uma lesão renal também causada pela mesma bactéria Streptococcus. Costuma cursar com hipertensão (leia: SINTOMAS E TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO), presença de sangue na urina (leia: HEMATÚRIA (URINA COM SANGUE)) e insuficiência renal aguda. (leia: INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA ).

Existe uma tipo de psoríase, chamado de psoríase gutata, que está relacionada a faringites pelo Streptococcus. (leia: PSORÍASE | Tipos e sintomas). São lesões de pele que surgem sempre que há uma infecção de garganta, desaparecendo após a sua cura.

Tratamento da amigdalite | Tratamento da faringite

Para se evitar as complicações das amigdalites bacterianas descritas acima, o tratamento deve ser sempre feito com antibióticos. Na maioria dos casos, em 48h já há uma grande melhora dos sintomas. 

O tratamento com antibióticos derivados da penicilina, como amoxacilina, deve ser feito por 10 dias. Nos pacientes alérgicos a penicilina uma opção é Azitromicina por 5 dias. Naqueles doentes com intenso edema da faringe, que não conseguem engolir comprimidos, ou naqueles que não desejam ficar tomando remédio por vários dias, uma opção é a injeção intramuscular de penicilina Benzatina, o famoso Benzetacil, administrado em dose única.

Se os sintomas da faringite bacteriana forem muito fortes, enquanto espera-se o efeito dos antibióticos, pode-se usar anti-inflamatórios para aliviar a inflamação da garganta. Mas atenção, os anti-inflamatórios são apenas sintomáticos, eles não tratam a infecção bacteriana. 

A faringites virais normalmente duram apenas quatro ou cinco dias e se curam sozinhas. Não é preciso, nem é indicado, o uso de antibióticos. Se os sintomas forem muito incômodos, pode-se usar anti-inflamatórios por dois ou três dias. De resto, repouso e boa hidratação.

Tratamentos alternativos:
  • Mel: Não há nenhum trabalho que tenha conseguido demonstrar benefício do mel.
  • Própolis: Apresenta efeito anti-inflamatório pequeno. Funciona muito menos que qualquer anti-inflamatório comum.
  • Papaína: Além de não melhorar, em grandes quantidades pode piorar a inflamação.
  • Não há trabalhos que provem a eficácia da homeopatia ou fitoterapia no tratamento das faringites. O tempo de doença e a incidência de complicações é igual ao placebo.
Quem quiser alívio sintomático sem tomar muitos remédios, o ideal é realizar vários gargarejos diários com água morna e uma pitada de sal.

A retirada das amígdalas (amigdalectomia) é uma opção nas crianças que apresentam mais de seis episódios de faringite estreptocócica por ano. Como a incidência das complicações é muito menor em adultos, neste grupo a indicação de amigdalectomia é mais controversa, pois existe a possibilidade de não haver melhora, fazendo apenas com que o paciente deixe de ter crises de amigdalites e passe a ter crises de faringites, o que no final dá no mesmo.

Em pacientes com infecções de garganta de repetição podem-se formar criptas (pequenos buracos) nas amígdalas. Estas acumulam cáseo (ou caseum), uma substância amarelada, parecida com pus, que é na verdade restos celulares de processos inflamatórios antigos. O cáseo pode causar mau hálito em pessoas com amigdalite/faringite crônica (leia:SAIBA COMO ACABAR COM O MAU HÁLITO).

Complemente as informações deste texto lendo também: DOR DE GARGANTA | Perguntas mais comuns 


Leia o texto original no site MD.Saúde: DOR DE GARGANTA | FARINGITE | AMIGDALITE http://www.mdsaude.com/2009/03/dor-de-garganta-faringite-amigdalite.html#ixzz1q4XD9Y4r

o que é anemia ferropriva


ferro é um mineral essencial para a produção da hemoglobina, a proteína que transporta o oxigênio pelo nosso organismo. Anemia ferropriva (ou ferropénica em Portugal) é o tipo de anemia mais comum no mundo, causada por uma grave deficiência de ferro.

Relação entre ferro e anemia

Antes de falarmos nas causas e no tratamento da anemia ferropriva, vale a pena fazermos uma rápida revisão do papel do ferro na anemia.

Os glóbulos vermelhos, também chamados de hemácias ou eritrócitos, são as células do sangue responsáveis pelo transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos e de gás carbônico dos tecidos em direção aos pulmões.
Hemácias
Hemácias
Chamamos de anemia quando a concentração de hemácias do sangue está reduzida. Para um melhor entendimento do que é uma anemia, sugiro a leitura do nosso texto: ANEMIA | Sintomas e causas.

O principal componente da hemácia é a hemoglobina, uma proteína que necessita de ferro para ser formada. Quando ocorre uma deficiência de ferro no organismo, há falta de matéria-prima para a formação da hemoglobina e, consequentemente, para a formação das hemácias, levando à anemia.

Metabolismo do ferro 

O corpo controla seus estoques de ferro de modo preciso, mantendo-o sempre estável. Quando precisamos de mais ferro, o intestino delgado aumenta sua absorção dos alimentos. Quando estamos com o estoque completo, o intestino para de absorver o ferro dos alimentos, deixando-o ser excretado nas fezes.

Além do ferro dentro das hemoglobinas, o corpo tem sempre pronto um estoque de ferro para quando necessário. Esse ferro é estocado no fígado, "empacotado" em uma proteína chamada ferritina. Quando temos níveis baixos de ferritina, significa que os nossos estoques de ferro estão baixos (leia: EXAMES DE SANGUE | VHS, PCR, LDH, Ferritina e CK). Geralmente, da quantidade total de ferro existente no nosso corpo, metade fica dentro das hemácias e metade estocada em forma de ferritina. Ainda há uma pequena fração ligada à transferrina, uma proteína que transporta o ferro dos estoques em direção à medula óssea, onde são produzidas as novas hemácias.

Geralmente, adultos saudáveis não precisam de muito ferro na dieta, pois o ferro já presente no organismo é constantemente reciclado. Quando uma hemácia torna-se velha e é destruída (mais ou menos com 120 dias de vida), o seu ferro é captado pela transferrina e levado de volta à medula óssea, sendo reaproveitado na formação de uma nova hemácia. Portanto, são precisos muitos anos com uma baixa absorção de ferro para que haja uma deficiência nos estoques corporais.

O grande risco de uma alimentação pobre em ferro se dá naqueles indivíduos que estão precisando de mais ferro do que o existe nos estoques. Dois exemplos fáceis de se entender são as crianças e as grávidas. O primeiro grupo está constantemente em crescimento e, portanto, necessitando de quantidades cada vez maiores de ferro. As crianças entre 6 meses e três anos são as mais propensas a desenvolverem carência de ferro, pois apresentam grande demanda e ainda não tiveram tempo para criarem seus estoques. As grávidas geralmente apresentam bons estoques de ferro, todavia, passam a gastá-lo de forma rápida na formação de um novo ser. Nestes dois grupos, uma dieta rica em ferro é essencial para se manter os estoques preenchidos.

Causas de anemia ferropriva

a.) Dieta

Como já explicado, uma deficiência simples de ferro na dieta é atualmente uma causa rara de anemia ferropriva em adultos saudáveis. A dieta da maioria das pessoas contém quantidades suficientes de ferro para compensar as pequenas perdas que ocorrem ao longo do tempo. A não ser em pessoas com desnutrição por falta de alimentação, não é preciso haver muita preocupação com a dieta, pois a maioria das carnes têm quantidades suficientes de ferro. Mesmo os vegetarianos são capazes de ingerir boas quantidade de ferro, já que alimentos como espinafre, ovos, creme de trigo, feijão e cereais contêm bastante ferro.

b.) Má-absorção

A deficiência de ferro e a anemia ferropriva podem surgir em pacientes com doenças do trato gastrointestinal que impeçam a absorção de ferro cronicamente, como nos casos de gastrite atrófica ou doença celíaca. Esse pacientes podem ingerir ferro, mas não conseguem absorvê-lo, impedindo-os de repor seus estoques quando necessário.

c.) Perdas de sangue

A anemia ferropriva ocorre na imensa maioria dos casos por perdas de ferro, como nos casos de sangramento. Quando perdemos sangue, perdemos junto o ferro que estava dentro das hemoglobinas, obrigando o organismo a lançar mão dos seus estoques na produção de novas hemácias.

Quando o sangramento é visível, como nos casos de vômitos com sangue, sangue nas fezes (leia: SANGUE NAS FEZES | Principais causas de hemorragia digestiva) ou traumatismos com sangramentos, por exemplo, a causa da anemia torna-se óbvia, pois há perdas agudas de grande volume de hemácias. Nestes casos, até há uma grande perda de ferro, mas a causa da anemia é uma perda imediata de sangue, sem que haja tempo hábil para o organismo produzir mais hemácias. Mulheres com períodos menstruais muito fortes, também podem desenvolver anemia ferropriva.

A anemia ferropriva é mais difícil de ser identificada quando há pequenos sangramentos, mas de forma constante. Esses quadros são comuns em úlceras de estômago, tumores do intestino e hemorroidas (leia: HEMORROIDAS | SINTOMAS E TRATAMENTO). Muitas vezes o paciente sequer nota a presença de sangue nas fezes. A quantidade de sangue perdida é pequena para causar uma anemia imediata, mas a longo prazo faz com que o organismo tenha que estar sempre usando seus estoques de ferro para compensar as hemácias perdidas nos sangramento. Nestes casos, a quantidade de ferro na dieta pode ser menor do que a necessária para repor os estoques, fazendo com que o paciente deplete suas reservas e desenvolva anemia ferropriva ao longo do tempo.

Portanto, atualmente, qualquer anemia ferropriva, a não ser que haja uma causa óbvia, deve indicar a investigação de uma fonte de sangramento oculta.

Sintomas da anemia ferropriva

Os sintomas da anemia ferropriva são os mesmos dos de qualquer anemia: cansaço, palidez da pele, falta de ar, intolerância ao exercício, taquicardia (coração acelerado). Todavia, a anemia ferropriva pode causar alguns sintomas que não são comuns em outras anemias, como perversão do apetite (também chamado de pica), que é o desejo de comer não-alimentos, como gelo, terra, papel, concreto etc... A síndrome das pernas inquietas é outro achado comum. Um sinal típico da anemia ferropriva é a presença de uma urina muito avermelhada após a ingestão de beterraba. 

Diagnóstico da anemia ferropriva

O diagnóstico de anemia é feito quando os valores da hemoglobina e do hematócrito (percentual de hemácias no sangue) estão abaixo do valor de referência:

Anemia (dependendo do laboratório os valores podem ser um pouco diferentes):
- hematócrito menor que 41% nos homens ou 35% nas mulheres 
- hemoglobina menor que 13 g/dL nos homens ou 12 g/dL nas mulheres.

Uma vez estabelecido o diagnóstico da anemia, é preciso identificar sua causa.  No hemograma, além da queda do hematócrito e da hemoglobina, o VCM e o HCM costumam estar baixos na anemia ferropriva (leia: HEMOGRAMA | Entenda os seus resultados). No seguimento da investigação da anemia deve-se dosar a quantidade de ferro no sangue, a ferritina e a saturação de transferrina. Estando estes valores baixos na presença de anemia, pode-se dizer que há uma anemia por carência de ferro.

Se não houver causas óbvias para a anemia ferropriva (gravidez ou sangramentos visíveis), geralmente incia-se a investigação solicitando exames para procurar sangramentos ocultos do trato digestivo, como a endoscopia digestiva e a colonoscopia.

Tratamento da anemia ferropriva

O tratamento da anemia ferropriva é feito com reposição de ferro. Os comprimidos de sulfato ferroso geralmente têm até 6x mais ferro do que obtemos em uma dieta normal. Se a anemia ferropriva for causada por gravidez ou por um fluxo menstrual mais forte, geralmente a reposição de ferro é suficiente.

O ferro é melhor absorvido se tomado em jejum e junto com vitamina C ou suco de laranja. O ferro pode causar alguns efeitos colaterais, sendo os mais comuns, náuseas e azia. A reposição de ferro costuma deixar as fezes com uma coloração bem escura.

Não se deve apenas repor ferro se a causa da anemia ferropriva for um sangramento do trato digestivo. Prescrever ferro sem realizar uma investigação de sangramentos ocultos pode até corrigir temporariamente a anemia, mas não irá tratar a doença de base. Se a causa for um tumor do intestino, a não investigação irá atrasar o diagnóstico, diminuindo as chances de tratamento curativo da lesão.

Leia o texto original no site MD.Saúde: ANEMIA FERROPRIVA | Carência de ferro http://www.mdsaude.com/2011/07/anemia-ferropriva-carencia-de-ferro.html#ixzz1q4WOsE9F

O que é anemia


Anemia é um dos distúrbios mais frequentes na medicina. Apesar de ser uma condição comum, ela é muitas vezes mal diagnosticada, mal tratada e quase sempre mal explicada aos pacientes. Neste texto vamos explicar o que é anemia, quais são suas causas e sintomas.

O que é anemia?

Popularmente a anemia é conhecida como falta de sangue. Na verdade, este conceito não está de todo errado, mas podemos ser um pouco mais precisos. Anemia é a redução do número de glóbulos vermelhos (também chamados de hemácias ou eritrócitos) no sangue. As hemácias são as células que transportam o oxigênio, levando-o para todos os órgãos e tecidos do corpo.

Para ficar mais fácil de entender, vamos explicar do que é feito o sangue:
Composição do sangue
Composição do sangue
O sangue pode ser dividido didaticamente em duas partes: plasma e células.

O plasma sanguíneo é a parte líquida, correspondendo a 55% do volume total de sangue. O plasma é basicamente água (92%), com alguns nutrientes diluídos, como proteínas, anticorpos, enzimas, glicose, sais minerais, hormônios, etc. 

Os outros 45% do sangue são compostos por células: hemácias, leucócitos e plaquetas. Destas células, 99% são hemácias. 

A anemia surge quando o percentual de hemácias no sangue fica reduzido, deixando-o mais diluído (as causas serão explicados mais à frente).

O diagnóstico da anemia é feito basicamente pela dosagem das hemácias no sangue, realizada através de em um exame de sangue chamado hemograma (leia: ENTENDA OS RESULTADOS DO SEU HEMOGRAMA). Na prática, a dosagem das hemácias é feita através dos valores do hematócrito e da hemoglobina.

Para entender como se diagnostica uma anemia é preciso estar familiarizado com os termos hematócrito e hemoglobina. Vamos a eles, então.

O que são o hematócrito e a hemoglobina?

a.) Hematócrito

O hematócrito é o percentual do sangue que é ocupado pelas hemácias (glóbulos vermelhos). O hematócrito normal fica ao redor de 40 a 45%, indicando que 40 a 45% do sangue são compostos por hemácias. 

As hemácias são produzidas na medula óssea e têm uma vida de apenas 120 dias. As hemácias velhas são destruídas pelo baço (órgão situado à esquerda na nossa cavidade abdominal). Isso significa que após quatro meses nossas hemácias já foram todas renovadas. A produção e a destruição das hemácias  são constantes, de modo a se manter sempre um número estável de hemácias circulantes no sangue. 

b.) Hemoglobina 

A hemoglobina é uma molécula portadora de ferro que fica dentro da hemácia. A hemoglobina é o componente mais importante da hemácia por ser ela a responsável pelo transporte de oxigênio pelo sangue.

O ferro é um elemento essencial da hemoglobina. Pessoas com carência de ferro não conseguem produzir hemoglobinas, que por sua vez são necessárias para a produção das hemácias. Portanto, uma diminuição das hemoglobinas obrigatoriamente leva a uma diminuição das hemácias, ou seja, à anemia.

Na prática, a dosagem de hemoglobina acaba sendo a mais precisa na avaliação de uma anemia, uma vez que o hematócrito pode ser influenciado por uma sangue mais ou menos diluído.

Diagnóstico da anemia 

O diagnóstico de anemia é feito quando os valores da hemoglobina e do hematócrito estão abaixo do valor de referência:

- Hematócrito normal = 41% a 54% nos homens ou 35% a 47% nas mulheres
- Hemoglobina normal = 13 a 17 g/dL nos homens ou 12 a16 g/dL nas mulheres

Portanto, estamos diante de uma anemia quando os valores se encontram abaixo dos fornecido acima. É importante salientar que os valores de referência podem variar de um laboratório para o outro, e resultados um pouco abaixo do normal devem ser interpretados pelo seu médico, uma vez que não necessariamente indicam doença. Mulheres com grande fluxo menstrual podem ter valores menores que estes, sem causar qualquer dano à saúde. Uma leve anemia em mulheres pode não ter relevância clínica.

Bom, explicado o básico, vamos ao que interessa.

Causas de anemia

A anemia tem três causas básicas:

- Pouca produção de hemácias pela medula óssea.
- Elevada destruição de hemácias pelo corpo.
- Perda de hemácias e ferro através de sangramentos.

O CONCEITO MAIS IMPORTANTE QUE DEVE SER APRENDIDO É QUE ANEMIA NÃO É UMA DOENÇA, MAS SIM UM SINAL DE DOENÇA. Ao se deparar com um hemograma evidenciando uma anemia, o médico deve investigar qual das três causas acima é a responsável pelo quadro. Não basta prescrever ferro e achar que está tudo bem. 

Exemplos de causas de anemia que não se resolvem apenas com reposição de ferro:

1- Um câncer de intestino pode causar sangramentos e perda de hemácias, levando à anemia. Esta anemia é causada por perda de sangue e, apesar do paciente realmente ter carência de ferro, uma simples reposição não irá estancar o sangramento, nem tratar o tumor. Na verdade, repor ferro sem investigar a causa da anemia pode melhorar os valores do hematócrito temporariamente, levando à falsa impressão de resolução do problema, o que só irá atrasar o diagnóstico final. 

2- Uma infecção que atinge a medula óssea impede a produção de hemácias, levando à anemia. Anemia neste caso ocorre por falta de produção de hemácias na medula. Do mesmo modo, repor ferro não irá tratar a causa.

3- Um medicamento que seja tóxico para as hemácias e cause sua destruição antes de 120 dias, também leva à anemia. Anemia por rápida destruição das hemácias também não vai ser tratada com ferro.

Portanto, o simples diagnóstico de anemia não encerra a investigação. Pelo contrário, ele é apenas o primeiro passo para se obter o diagnóstico final. Se o paciente tem uma anemia, existe uma causa por trás.

A reposição de ferro só está indicada nos casos de anemia por carência ferro, chamada de anemia ferropriva. Ainda assim, a reposição não elimina a necessidade de se investigar o que está causando a perda de ferro. O paciente pode perder sangue por úlceras no estômago, tumores no intestino, sangramento vaginal, etc. Para saber mais sobre anemia por carência de ferro, leia: ANEMIA FERROPRIVA | Carência de ferro. 

Abaixo, uma demonstração do número de doenças que podem causar anemia e ficarão sem diagnóstico se não forem investigadas:

- Neoplasias (leia: CÂNCER | Sintomas e tipos).
- Insuficiência renal (leia: INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA).
- Leucemias (leia: LEUCEMIA - Sintomas e Tratamento).
- Linfomas (leia: O QUE É UM LINFOMA ?).
- Mieloma múltiplo (leia: ENTENDA O MIELOMA MÚLTIPLO).
- Doenças do trato gastrointestinal.
- Hipotireoidismo (leia: HIPOTIREOIDISMO (TIREOIDITE DE HASHIMOTO)).
- Deficiências de vitaminas como B12 e ácido fólico (leia: MITOS E VERDADES SOBRE VITAMINAS).
- Toxicidade da medula óssea por drogas.
- Doenças do fígado (leia: AS DIFERENÇAS ENTRE AS HEPATITES).
- Infecções.
- Lúpus (leia: LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO).
- Síndrome hemolítica urêmica.
- SIDA (AIDS) (leia: SINTOMAS DO HIV E AIDS (SIDA)).
- Alcoolismo (leia: EFEITOS DO ÁLCOOL | Tratamento do alcoolismo).
- Sangramento digestivo (leia: SANGUE NAS FEZES E HEMORRAGIA DIGESTIVA).

Na verdade, qualquer doença que curse com inflamação crônica pode inibir a função da medula óssea e cursar com queda das hemácias, uma situação que chamamos de anemia de doença crônica. Portanto, qualquer doença mais arrastada pode causar anemia.

Anemias primárias

Na maioria dos casos, a anemia surge devido a alguma doença, como nos exemplos citados acima. Todavia, existem também as anemias primárias, ou seja, causadas por defeitos próprios na produção das hemácias. As anemias primárias são aquelas que não são causadas por outras doenças, elas são a própria doença.

Estas anemias são normalmente doenças de origem genética. As mais comuns são:

- Anemia falciforme (leia: ANEMIA FALCIFORME (DREPANOCÍTICA))
- Talassemia
- Anemia sideroblástica
- Esferocitose
- Hemoglobinúria paroxística noturna
- Deficiência de G6PD

Apenas para reforçar os conceitos: na anemia primária, o paciente tem um defeito genético que o impede de produzir hemácias saudáveis. O paciente nasce com esse problema. Nas anemias secundárias, o paciente passa a apresentar anemia depois de contrair algum problema de saúde ao longo da sua vida.

Anemia vira leucemia? 

NÃO! nenhuma anemia causa leucemia, assim como nenhuma anemia vira leucemia. Na verdade, anemia não só não vira leucemia como nenhum outro tipo de câncer. Entretanto, como já foi explicado, a anemia pode ser um sinal da existência de um câncer, entre eles a própria leucemia. Portanto, a leucemia leva à anemia e não o contrário.

Sintomas da anemia

Como as hemácias são as transportadoras de oxigênio do nosso corpo, a falta delas leva aos sintomas de uma oxigenação deficiente dos nossos tecidos. O principal sintoma da anemia é o cansaço. A anemia pode ser tão grave que tarefas simples como pentear o cabelo ou mudar de roupa tornam-se extenuantes.

Quanto mais rápido se instala a anemia, mais cansaço e fraqueza o paciente sente. Anemias que se instalam lentamente dão tempo ao paciente se adaptar e podem só causar sintomas em fases bem avançadas. Apenas como exemplo, se o paciente perde sangue rapidamente e sua hemoglobina cai de 13 para 9,0 g/dL em dois ou três dias, o paciente sentirá um cansaço grande. Se por outro lado houver um sangramento pequeno mas constante, fazendo com que a hemoglobina caia de 13 para 8,0 g/dL em três ou quatro meses, o paciente pode não notar muito cansaço a não ser que tente fazer esforços mais intensos.

Anemia - Conjuntiva
Anemia
Outro sinal de anemia é a palidez cutânea, muitas vezes identificadas até por leigos. Em pacientes de pele negra, a palidez cutânea é difícil de ser identificada.

Um jeito simples de identificar a anemia é olhar a conjuntiva, a membrana que recobre o olho e a região de dentro da pálpebra. Em pessoas normais ela é bem vermelhinha. Já em anêmicos ela é quase da cor da pele.

Além do cansaço e da palidez cutânea, outros sintomas da anemia incluem palpitações, falta de ar, dor no peito, sonolência, tonturas e hipotensão. Nos idosos pode haver algum grau de perda da atenção e dificuldades no raciocínio.

Conclusão

Como se pôde notar, a anemia é uma situação complexa que pode indicar dezenas de doenças diferentes. 
O importante é procurar ajuda médica sempre que houver suspeita de anemia.

Não se satisfaça apenas com o diagnóstico de anemia e a prescrição de ferro para tratamento. Pergunte ao seu médico qual é a causa da sua anemia e o que está sendo feito para diagnosticá-la e tratá-la.

Leia o texto original no site MD.Saúde: ANEMIA | Sintomas e causas http://www.mdsaude.com/2008/09/anemia.html#ixzz1q4VxYl8t

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