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27 de mai. de 2012

O Olfato das Plantas


Botânicos investigam a forma como as plantas sentem cheiro: algumas reconhecem, pelo aroma, vizinhos mutilados; outras detectam uma refeição
por Daniel Chamovitz
ilustração de Cherie Sinnen
cuscuta pentagona não é uma planta normal; é uma trepadeira laranja que pode chegar a 1 m de altura, produz pequenas flores brancas de cinco pétalas e é encontrada em toda a América do Norte. É incomum pelo fato de não ter folhas nem ser verde, pela ausência de clorofila, pigmento que absorve energia solar permitindo a transformação da luz em açúcares e oxigênio pela fotossíntese. A planta é uma trepadeira parasita que obtém alimento dos vizinhos. Para viver ela fixa-se numa planta hospedeira e suga seus nutrientes, inserindo-lhe um apêndice no sistema vascular. O que é realmente fascinante são suas preferências culinárias: ela escolhe que vizinho atacar.

A semente da Cuscuta germina como qualquer outra — o novo broto cresce e a nova raiz se introduz no solo. Deixado só, no entanto, o broto morrerá sem um hospedeiro. Conforme cresce, gira sua extremidade em pequenos círculos, sondando o ambiente da forma como tateamos com as mãos, quando de olhos vendados, ou procuramos a luz da cozinha, no meio da noite. Embora inicialmente esses movimentos pareçam aleatórios, se a muda estiver próxima de outra planta (digamos um tomateiro), ela se estica e cresce na direção do que será sua fonte de alimento. A trepadeira se curva, cresce e gira até, finalmente, chegar à folha do tomate. Mas em vez de tocá-la, procura o caule. Em um movimento final de vitória, enrola-se em torno da haste e introduz microprojeções no floema (vasos que levam a seiva adocicada da planta), e começa a desviar açúcar para continuar crescendo e florescer.

Consuelo de Moraes, entomologista da Pennsylvania State University, cujo principal interesse é a compreensão dos sinais químicos voláteis entre insetos e plantas e entre as próprias plantas, documentou esse comportamento em filme. Em um de seus projetos ela buscou decifrar a maneira como esta planta localiza sua presa. Ela demonstrou que as vinhas da parasita nunca crescem na direção de vasos vazios ou com plantas falsas, mas localizam pés de tomate, não importa onde estejam, na luz, ou à sombra. A hipótese de Consuelo é que a trepadeira na verdade detecta o “cheiro” do tomate e, para comprovar isso, ela e seus alunos colocaram a Cuscuta em um vaso dentro de uma caixa fechada e, ao lado, outra caixa com um pé de tomate. As duas caixas foram ligadas por um tubo, permitindo um fluxo livre de ar entre elas. A planta isolada cresceu sempre em direção ao tubo, sugerindo que o tomate exalou um aroma que passou pelo tubo até a caixa da Cuscuta.

Se a Cuscuta realmente era atraída pelo cheiro do tomate, então talvez Consuelo pudesse produzir um perfume de tomate e ver a reação da parasita. Ela criou um extrato do caule (colônia de tomate) e colocou-o em chumaços de algodão espetados em varinhas em vasos perto da planta. Para fins de controle, colocou também alguns dos solventes usados para fazer o perfume de tomate em outros chumaços, em vasos próximos. Como previsto, a entomóloga enganou o planta, que cresceu na direção do algodão que exalava cheiro de tomate, buscando nutrição, mas não em direção aos solventes.

Diante da opção, descobriu Consuelo — entre tomate e trigo —, a parasita escolherá o tomate. Se plantarmos a Cuscuta em um ponto equidistante entre dois vasos, um com trigo e outro com tomate, a planta buscará o tomate.

Em termos de química básica a colônia de tomate e a de trigo são similares: ambas contêm beta-mirceno, um composto volátil (um entre centenas de cheiros conhecidos de componentes químicos) que isoladamente pode induzir a trepadeira a crescer em sua direção. Então, por que a preferência? Uma hipótese clara seria a complexidade do buquê; além de beta-mirceno o tomate libera outras duas substâncias químicas voláteis que atraem a parasita, por compor uma fragrância específica. O trigo contém apenas um aroma, o beta-mirceno, mas não os outros dois encontrados no tomate. Além disso, o trigo não só tem menos atrativos, como também produz o (Z)-3-hexenil acetato, que repele a planta mais que o beta-mirceno a atrai. Na verdade, a Cuscuta se afasta do composto, pois considera o trigo de alguma forma “repulsivo”.
COMUNICAÇÃO BIOQUÍMICA

 Em 1983, duas equipes de cientistas publicaram resultados surpreendentes relacionados à comunicação entre plantas e revolucionaram o entendimento de tudo, desde o salgueiro até o feijão. Pesquisadores afirmaram que árvores “avisam” umas às outras de um ataque iminente de insetos devoradores de folhas. Notícias sobre o trabalho logo se espalharam para a cultura popular, com a ideia de “árvores falantes” encontrada não só na Science, como também em grandes jornais no mundo todo.

David Rhoades e Gordon Orians, cientistas da Washington University, observaram que lagartas tinham menor probabilidade de devastar as folhas de salgueiro se ele estivesse ao lado de outros exemplares já infestados com lagartas-de-tenda. As árvores que crescem saudáveis próximas a outras infestadas resistiram às lagartas porque, como Rhoades descobriu, suas folhas tinham produtos químicos fenólicos e tanino que as tornavam indesejáveis para os insetos. Como os cientistas não conseguiram detectar qualquer conexão física entre as árvores danificadas e as vizinhas saudáveis (não partilhavam raízes em comum, nem seus galhos se tocavam), Rhoades propôs que as árvores atacadas deveriam enviar mensagem feromonal no ambiente para as plantas saudáveis. Em outras palavras, as árvores infestadas advertem as árvores vizinhas saudáveis: “Cuidado! Defendam-se!”.

Apenas três meses depois os pesquisadores Ian Baldwin e Jack Schultz, da Dartmouth College, publicaram um artigo que apoiava o relatório de Rhoades. Eles estudaram mudas de álamo e bordo (com cerca de 33 cm de altura), cultivados em gaiolas herméticas de um material termoplástico usando duas gaiolas para o experimento. A primeira abrigava dois grupos de árvores: 15 delas com duas folhas rasgadas ao meio e outras 15 intactas. A segunda gaiola continha árvores de controle, obviamente não danificadas. Dois dias mais tarde as folhas restantes das árvores danificadas exibiam níveis aumentados de vários produtos químicos conhecidos por inibir o crescimento de lagartas, mas as árvores da gaiola de controle não mostraram aumento de quaisquer desses compostos. Baldwin e Schultz interpretaram que as folhas danificadas, tanto por rasgo para os experimentos como por alimentação do inseto, como na observação de Rhoades nos salgueiros, emitiram um sinal gasoso que permitiu às árvores danificadas se comunicarem com as não danificadas, o que resultou na defesa dessas últimas contra um iminente ataque de insetos.

Esses relatórios iniciais sobre a sinalização por plantas foram muitas vezes rejeitados por outros pesquisadores da comunidade científica por falta de controle eficiente, ou por resultados corretos mas implicações exageradas. Na década passada, no entanto, o fenômeno da comunicação bioquímica das plantas foi demonstrada repetidas vezes em muitos casos, in cluindo cevada, artemísia e amieiro. Embora o fenômeno de plantas influenciadas por vizinhas por sinais químicos no ar seja agora um paradigma científico aceito, dúvidas permanecem: as plantas se comunicam umas com as outras de verdade (ou seja, propositadamente informam um perigo iminente), ou as mais saudáveis apenas captam um “monólogo” das plantas infestadas, que não se destina a ser detectado?


Martin Heil e sua equipe do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados em Irapuato, no México, estudam o feijão-fava (Phaseolus lunatus) há anos para explorar ainda mais essa questão. Heil sabia que cientistas observaram que quando uma planta de feijão-fava é atacada por besouros responde de duas maneiras: as folhas devoradas pelos insetos liberam uma mistura de compostos químicos voláteis no ar e as flores, mesmo não atacadas, produzem um néctar que atrai artrópodes devoradores de besouros. No início de sua carreira, na passagem do século, Heil trabalhou no Instituto Max Planck de Ecologia Química em Jena, na Alemanha, o mesmo instituto onde Baldwin já era diretor. Da mesma forma que Baldwin antes dele, Heil se perguntou por que o feijão libera esses compostos.

Heil e seus colegas colocaram pés de feijão-fava atacados por besouros próximos a outros pés isolados dos insetos e avaliaram o ar em torno de diferentes folhas. Então, escolheram um total de quatro folhas de três plantas diferentes: de uma única planta que fora atacada por besouro, tomaram duas folhas; uma que fora comida e outra intacta; uma folha da planta vizinha saudável e não infestada; e uma folha de uma planta mantida isolada. Eles identificaram a substância química volátil no ar ao redor de cada folha usando uma técnica avançada conhecida como cromatografia em fase gasosa/espectrometria de massa (muitas vezes caracterizada na série CSI e utilizada por fabricantes de perfume na fase de desenvolvimento de uma nova fragrância).

Heil descobriu que a emissão liberada pela folha devorada e pelas saudáveis na mesma planta continha elementos voláteis essencialmente idênticos, enquanto o ar em torno da folha de controle estava livre de gases específicos. Além disso, o ar em torno das folhas saudáveis do feijão-fava ao lado das plantas infestadas por besouros também continha os mesmos produtos químicos voláteis que os detectados nas plantas devastadas. As plantas saudáveis também eram menos propensas a ser devoradas por besouros.

Mas Heil não se convenceu de que plantas danificadas “conversam” com outras para preveni-las de ataque iminente. Em vez disso, propôs que a planta vizinha deve praticar uma forma de espionagem olfativa de um sinal interno intencional para outras folhas dela própria.

Heil modificou a configuração experimental de forma simples e engenhosa para testar sua hipótese. Mantendo as duas plantas próximas ele encerrou as folhas atacadas em saco plástico por 24 horas. Ao verificar os mesmos quatro tipos de folhas os resultados, como no primeiro experimento, foram diferentes. Enquanto a folha atacada continuou a liberar a mesma substância química que antes e as outras folhas da mesma planta e plantas vizinhas se assemelhavam à planta de controle, o ar em torno delas nada continha de diferente.

Heil e a sua equipe abriram o saco em torno da folha atacada e, com a ajuda de um pequeno ventilador (do tipo usado para ajudar a resfriar computadores), soprou o ar em uma das duas direções: tanto para as folhas vizinhas acima no mesmo pé, como para longe da planta. Verificaram então os gases liberados pelas folhas mais altas acima do caule e mediram a quantidade de néctar produzido. As folhas sopradas com ar vindo da  folha atacada começaram a emitir os mesmos gases e também produziram néctar. As folhas não expostas ao ar da folha atacada permaneceram iguais.



Os resultados foram significativos porque revelaram que os gases liberados pela folha atacada são necessários para a mesma planta proteger outras folhas de futuros ataques.  Em outras palavras, quando uma folha é atacada por um inseto ou por bactérias, libera odores que avisam as demais a se protegerem. Algo comparável às torres da Grande Muralha da China, onde guardas acendiam fogueiras para alertar sobre um ataque imediato.

A planta vizinha detecta uma interação olfativa próxima, essencial para sua proteção. Na natureza, esse sinal olfativo se expande por pelo menos alguns metros (diferentes compostos voláteis, dependendo de suas propriedades químicas, percorrem diferentes distâncias). No caso do feijão-fava, que aprecia a aglomeração, isso basta para garantir que, se uma planta estiver em apuros, sua vizinha deve saber disso.



AS PLANTAS SENTEM CHEIRO?

As plantas emitem literalmente um buquê de odores. Imagine o perfume de rosas quando percorremos um jardim no verão, ou de grama recém-cortada no final da primavera, ou de jasmim que floresce à noite. Sem olhar, sabemos quando a fruta está no ponto para consumo e nenhum visitante de um jardim botânico fica alheio ao odor ofensivo da maior (e mais malcheirosa) flor do mundo, a Amorphophallus titanum, mais conhecida como flor-cadáver. (Felizmente, ela floresce apenas uma vez em uns poucos anos).

Muitos aromas são utilizados na comunicação complexa entre plantas e animais. Os odores induzem diferentes polinizadores a visitar flores e espalhadores de sementes a consumir frutas e, como o autor Michael Pollan aponta, esses aromas podem levar pessoas a espalhar flores pelo mundo todo. Mas as plantas não apenas emitem odores; elas “cheiram” outras plantas.

É óbvio que as plantas não têm nervos olfativos que se conectam a um cérebro que interpreta os sinais. Mas a Cuscuta, as plantas de Heil e outros tipos de flora em todo o mundo natural reagem a feromônios como nós. As plantas detectam uma substância química volátil no ar e convertem esse sinal (sem usar nervos) em uma resposta fisiológica. Com certeza, isso pode ser considerado olfato.
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Daniel Chamovitz é diretor do Centro Manna de Biociências de Plantas da Universidade de Tel Aviv e autor do novo livro What a plant knows.

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