Andrea Luiza Mendes Sales - XXXVIª turma de Medicina Junho de 2001 Conceitos Gerais A desnutrição infantil, apesar da redução mundial da sua prevalência, é atualmente o problema de saúde pública mais importante dos países em desenvolvimento. Mais de 50% das mortes de crianças menores de 5 anos, que ocorrem nestes países, é influenciada pela desnutrição em alguma de suas formas. A mortalidade das crianças desnutridas graves, tratadas em hospital, tem se mantido inalterada nas últimas cinco décadas. Na América Latina, sua incidência é bastante elevada: existe desnutrição de alguma intensidade em cerca de 65% das crianças menores de cinco anos. De acordo com o índice peso/altura, considera-se nutrida a criança que, independentemente da idade, apresenta peso condizente para sua altura e sexo. O conceito de desnutrição de acordo com o índice de baixo p/a aponta, portanto, apenas desnutrição aguda (crianças visivelmente magras). A desnutrição aguda está associada a fenômenos de curto prazo e reversíveis, indicando que a incidência de desnutrição por baixo peso/altura poderia, portanto, ser eliminada por programas nutricionais de emergência. Sendo assim, desnutrição pode ser entendida como o déficit de nutrientes no organismo. Segundo a OMS/FAO, o termo desnutrição energético-protéica define-se como uma gama de condições patológicas com deficiência simultânea de proteínas e calorias em variadas proporções, que acomete potencialmente crianças de baixa idade, comumente associadas com infecções. Classificação Quanto ao tipo de deficiência que origina a desnutrição, esta pode ser: 1. Específica: quando falta um nutriente bem determinado, caracterizando síndromes específicas. (Exemplo: anemia por deficiência de ferro; escorbuto por deficiência de vitamina C; etc...) 2. Global: quando faltam vários nutrientes, inespecificamente. Exemplo clássico constitui a desnutrição calórico-proteica. Quanto à etiopatogenia, pode ser: 1. Primária: quando há oferta inadequada de alimentos 2. Secundária: quando o aproveitamento inadequado dos alimentos ocorre por fatores independentes da oferta, a qual é feita de forma correta. Quanto à intensidade da DPC, podemos dividi-la em graus (Classificação de Gomez): 1º grau ou leve: déficit de peso de mais de 10% até 25% 2º grau ou moderada: déficit de peso de mais de 25% até 40% 3º grau ou grave: déficit de peso superior a 40%. A desnutrição grave pode ainda ser subdividida em tipos, de acordo com a diversidade de quadros clínicos: - Kwashiorkor – desnutrição proteica, que leva a edema e apresenta quadro de pobreza extrema - Marasmo – desnutrição seca, com depleção energética, mesmo com adequada oferta de nutrientes. - Formas intermediárias – apresentam características mistas das duas formas anteriores. Quando levamos em conta os parâmetros peso e altura em associação, de acordo com a idade, temos um perfil mais fiel do tempo de ocorrência do processo: E/I P/E >90% <90% >95% Eutrofia Desnutrição aguda (emagrecimento) <95% Desnutrição pregressa (parada de crecimento) Desnutrição Crônica Sendo E/I= estatura encontrada x 100 Estatura ideal P/E= peso encontrado x 100 Peso ideal para a estatura observada Esta classificação foi estudada por Waterlow em 1976, para tentar fundamentar mais os conceitos de desnutrição, procurando afastar as interferências constitucionais de cada indivíduo. Etiopatogenia e Fisiopatologia da Desnutrição Os fatores etiológicos mais importantes são o baixo nível sócio-ecnômico (pobreza-privação nutricional) e seus acompanhantes intrínsecos: más condições ambientais, que freqüentemente levam a infecções e hospitalização, e baixo nível educacional e cultural, que muitas vezes leva à negligência infantil. A desnutrição é manifestação de pobreza e decorre de três fatores : alimentar (déficit de nutrientes), infeccioso (diarréias e infecções respiratórias repetidas) e psicológico (falta de estimulação e de apoio afetivo). A baixa ingestão calórica condiciona uma correspondente diminuição da atividade física, sendo esta a primeira adaptação decorrente do processo de depleção. A segunda adaptação é a parada de crescimento (falta de ganho de peso e altura). A desnutrição energético-proteica (DEP) provoca uma série de respostas clínicas adaptativas. Somente mais tarde, pela persistência das condições adversas nos seus mais variados graus, a adaptação se transforma em má adaptação, pondo em evidência as manifestações clínicas decorrentes. Vários mecanismos fisiopatológicos são instalados, determinando adaptações metabólicas de variadas intensidades, desencadeados e mantidos por controles hormonais. O organismo passa a lançar mão de vários mecanismos para sobreviver: gliconeogênese, glicogenólise e lipólise, passando a ser consumidas gradativamente a musculatura esquelética (reservatório protéico) e a gordura corporal, às custas da manutenção da homeostase. Em resposta às baixas concentrações de glicose e aminoácidos, os níveis de insulina diminuem. Em contrapartida, ou por um stress infeccioso ou pela própria restrição calórico-proteica, a adrenal cortical passa a secretar quantidades aumentadas de cortisol, com conseqüente liberação de aminoácidos pelo consumo muscular, a fim de serem usados por órgãos nobres como fígado, pâncreas e intestino. Essa integridade visceral às custas desse consumo é característica do marasmo. Quando há insuficiência da adrenal e da utilização do músculo, ocorre quebra do mecanismo de adaptação, condicionando o kwashiorkor. Há elevação da secreção do hormônio de crescimento e de epinefrina, condicionando a lipólise, que libera ácidos graxos e corpos cetônicos como combustíveis para o metabolismo cerebral As anormalidades bioquímicas e manifestações clínicas começam a se intensificar e predominar no quadro clínico-laboratorial da desnutrição após a falência do processo adaptativo. Somente a partir deste estádio é que surgem as formas graves da desnutrição. O marasmo se origina das categorias moderadas da desnutrição (subnutrição) que continuaram sofrendo uma deficiência global de energia. Acomete crianças geralmente abaixo dos 12 meses. O kwashiorkor origina-se de formas leves e moderadas que sofreram deficiência de proteína com adequada ingestão de energia em qualquer idade. A forma seca pode se transformar na edematosa e vice-versa em certas condições: aumento de perdas protéicas fecais, ocorrência de doenças infecciosas. Alterações microscópicas Todas as vísceras se apresentam com déficit de peso quando comparadas com o peso dos mesmos órgãos em crianças não desnutridas da mesma idade. No pâncreas, há inicialmente atrofia das células acinosas e a seguir há degeneração hialina, os canalículos intra-lobulares se dilatam e se inicia esclerose periacinosa intra e perilobular. As ilhotas de Langerhans estão conservadas em número. Funcionalmente, há diminuição da amilase, lipase, tripsina e qimiotripsina. No fígado, pode-se observar esteatose, que consiste na infiltração gordurosa do fígado, que é tanto mais intensa quanto maior o grau de desnutrição, sendo mais freqüente e intensa no kwashiorkor do que no marasmo. Quando a desnutrição se corrige, a esteatose desaparece e as células passam a apresentar aspecto de depleção protéica temporariamente. Podem ser vistos também infiltrado celular linfocitário e fibrose. Há diminuição da síntese de sais biliares e de sua conjugação por causa dessas alterações. nt-size:10.0pt'>As glândulas salivares apresentam lesões de atrofia, mais intensas e freqüentes nas parótidas. Em estágios mais avançados, ocorre infiltrado celular, aumento do depósito de gordura e mesmo fibrose em torno dos ácinos atrofiados e freqüentemente dilatados. Há prejuízo da mastigação e deglutição. No intestino delgado, todas as camadas são atingidas por progressivo processo de atrofia e conseqüente redução das respectivas espessuras, com intensidade crescente no sentido duodeno-ileal. O relevo da mucosa intestinal desaparece por completo em algumas áreas. Há supercrescimento bacteriano levando à desconjugação de ácidos biliares, redução dos sais biliares conjugados, com prejuízo da digestão das gorduras e aumento dos ácidos biliares livres, que são lesivos à mucosa intestinal. Há redução das dissacaridases, particularmente da lactase. Na pele, a epiderme tem todas as suas camadas comprometidas. A camada córnea sofre hiperqueratose em zonas, permanecendo trechos da pele com aspecto normal; a hiperqueratose leva à posterior descamação. Os capilares mostram-se ingurgitados e cheios de leucócitos, podendo sofrer roturas e pequenas hemorragias. Na hipoderme, o tecido gorduroso em geral está ausente. No sistema imune, o componente mais comprometido é o celular. Os níveis de imunoglobulina estão normais ou aumentados, às custas de infecções repetidas. Os fatoes humorais responsáveis pela fagocitose estão diminuídos. A produção de IgA em lágrimas, secreção nasofaríngea e intestinal está diminuída. Quadro Clínico Uma vez instalada a desnutrição grave, podem ocorrer os diferentes tipos clínicos, cada um cursando com quadro clínico peculiar. Marasmo É DPC de 3º grau caracterizada por desaparecimento do tecido subcutâneo, ausência de lesões de pele, de cabelo e de esteatose hepática. O aspecto físico é de quem consumiu todas ou quase todas as suas reservas musculares e de gordura (emagrecimento “seco”). É uma criança com baixa atividade, pequena para a idade, com membros delgados, costelas proeminentes, pele solta e enrugada na região das nádegas. Comumente está irritada, com choro forte e contínuo, além do apetite variável, pois passa a apresentar anorexia e prostração. Ocorre em lactentes (1º ano) que receberam uma dieta inadequada e globalmente deficiente. As proteínas séricas (albumina), as enzimas hepáticas e os minerais são normais. Kwashiorkor É DPC de 3º grau caracterizada por edema clínico, lesões de pele e cabelo, esteatose hepática, hipoalbuminemia, tecido celular subcutâneo ainda presente, freqüentemente diarréia. O aspecto clínico inclui: - Apatia mental: a criança nunca sorri, choraminga, raramente responde a estímulos dolorosos ou prazerosos. - Posição preferencial: encolhido, coberto (frio) e na obscuridade (fotofobia) - Grande emagrecimento do tórax e segmentos proximais dos membros, com edema frio, mole, não doloroso à pressão nos seguimentos distais. - alterações de pele (lesões hipocrômicas alternadas com lesões hipercrômicas) dos membros inferiores, que podem ser secas e frias; tipo xerose – secas, ásperas e sem brilho -; lesões pelagrosas, com eritema, despigmentação das bordas e descamação; tipo queratose folicular; fissuras lineares e flexurais; acrocianose; escaras; piodermite secundária; púrpuras de mau prognóstico. - alterações de cabelos (finos, secos, quebradiços e facilmente destacáveis – alopécia). Pode aparecer o sinal da bandeira nas desnutrições muito prolongadas, quando o cabelo apresenta faixas de coloração escura e clara. - Alterações das unhas: finas, quebradiças, sem brilho e pequeno crescimento. - Mucosas: língua careca ou com hipertrofia de papilas, retração das gengivas, lábios rachados, sangrantes, lesões comissurais. - Olhos: alterações de conjuntiva, córnea com manchas, queratomalácia, úlceras, xeroftalmia, podendo levar à cegueira. - Ossos: osteoporose com linhas de parada de crescimento; idade óssea retardada. - Sistema Nervoso: retardo neuropsicomotor, atrofia cortical e/ou subcortical, timidez, retraimento, irritabilidade - Hepatomegalia pela esteatose hepática presente. - Área perineal sempre com dermatite e escoriações, devido à diarréia. - Déficit importante de estatura e massa muscular seriamente consumida, mas tecido subcutâneo e gorduroso conservados. - Baixas concentrações séricas de proteína e albumina. Kwashiorkor-Marasmático Apresenta as características clínicas dos 2 tipos de DPC. Há uma variada gama dessa forma intermediária, considerando o marasmo e o kwashiorkor como pólos extremos. Diagnóstico Para compor o diagnóstico de desnutrição, deve-se dispor dentro do raciocínio médico, dos seguintes componetes: 1) Anamnese: devem ser enfatizadas as condições sócio-econômicas do paciente, seus antecedentes alimentares, como é o apetite dessa criança e se há história de diarréia prolongada. 2) Exame Físico: devem ser analisados peso (principalmente para classificação da intensidade da desnutrição), estatura, circunferência do braço, alterações da pele, subcutâneo, cabelos, unhas, mucosas da boca, dentes, olhos, fígado. Pesquisar ainda sistema nervoso e psiquismo. 3) Alterações laboratoriais: apesar de não específicas, aparecem em graus mais avançados de desnutrição, sendo úteis o proteinograma, a eletroforese de proteínas, colesterol, glicemia, hemograma e urina tipo I. Baseados no conjunto desses dados, passa-se então a classificar o processo em leve, moderado ou grave, de acordo com o déficit de peso. Quando a desnutrição for de 3º grau, cabe ainda discriminá-la segundo seu quadro clínico mais carcterístico. Conduta terapêutica O tratamento da desnutrição pode ser feito em nível ambulatorial, quando esta ainda apresenta-se nas formas leves e moderadas. Deve ser orientada a terapêutica dietética correta, de acordo com a idade da criança, sendo incentivado o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade (tentando supressão de mamadeira e a relactação sempre que possível), e desta idade em diante preconizar o uso de alimentos de bom valor, fácil acesso e baixo custo nutritivo (arroz, feijão, fubá); refeições em pequenos volumes e mais freqüentes; e adição de 5 a 8% de óleo (equivalente a uma colher de sobremesa/100g) à refeição láctea ou de sal. O acompanhamento seriado deve ser seguido à risca, para que se possa ter condições de avaliar se houve elevação satisfatória de peso, indicando retorno progressivo à curva pôndero-estatural. DPC Grave O tratamento deste grau de desnutrição se divide em três fases. A primeira é a fase de urgência e o seu objetivo é corrigir os distúrbios hidroeletrolíticos, acidobásicos e metabólicos (hipoglicemias), além de tratar as infecções associadas. Apresenta duração de três a cinco dias. A primeira preocupação é a avaliação clínica da intensidade da desidratação, uma vez que os sinais cutâneos da desnutrição podem mascarar os da desidratação: falta de gordura subcutânea para avaliar o turgor da pele, diminuição da atividade física, diurese presente, etc... sendo os únicos índices confiáveis a pressão arterial e a tensão da fontanela. Para reidratar e combater a hipovolemia, infundir soro glicosado a 5% e soro fisiológico em partes iguais ou ringer lactato a 2/3, em volume de 150 ml/kg, numa velocidade de 20ml/kg/hora, com duração de 6 a 8 horas. Para realizar a manutenção posterior, quando os sinais de choque desaparecerem, usa-se no marasmo: 100-120ml/kg/24 horas de volume 2,5-3,0mEq/kg/24 horas de sódio 3,0-5,0mEq/kg/24 horas de potássio No kwashiorkor: 80ml/kg/24 horas de volume 1,5mEq/kg/24 horas de sódio 3,0-5,0mEq/kg/24 horas de potássio 0,5-1,0mEq/kg/24 horas de magnésio Por fim, existe a fase de reposição, para suprir as perdas volume a volume: solução de soro glicosado a 5% e soro fisiológico em partes iguais. Em caso de diarréia grave (>70ml/kg/dia) dar soro fisiológico puro. Ainda na fase de urgência, deve-se controlar as infecções, que são muito freqüentes e sempre graves. O quadro clínico é atípico e empobrece o diagnóstico precoce. Exames bacteriológicos devem ser realizados sempre que possível. A antibioticoterapia deve ser escolhida criteriosamente, aplicada sempre em dose máxima e com duração controlada. Outro item importante a ser tratado nesta fase é a hipoglicemia, que caracteriza-se por palidez acinzentada e crises de apnéia, hipotermia e coma. A conduta é a infusão imediata de glicose EV hipertônica. A segunda fase consiste na dietoterapia e tem por objetivo diminuir as perdas diarréicas, adaptando-se uma dieta que seja tolerante às alterações intestinais presentes. Duração em torno de uma a duas semanas. O leite é o alimento ideal na dieta de recuperação do desnutrido, pois constitui-se uma proteína de alto valor biológico, boa digestibilidade, fácil ingestão, que apresenta também gordura e hidratos de carbono. O único problema é que a maioria das crianças com desnutrição grave e diarréia apresenta intolerância a lactose. Uma fórmula sem lactose e contendo outros hidratos de carbono é ideal neste caso. Em situações extremas de diarréia protraída, a má absorção de glicose pode ocorrer. Para suprir as necessidades calóricas, concomitantemente, deve ser instalada uma nutrição parenteral periférica. Uma dieta elementar deve ser estabelecida até que a via entérica esteja bem estabelecida. Na última fase, chamada de manutenção, deve-se fornecer dietas hipercalóricas para repor o peso da criança, promovendo adequado crescimento. Deve-se aumentar gradualmente a ingestão de energia até se alcançar 100-150cal/kg/dia. Após três semanas de tratamento, pode-se substituir o leite sem lactose pelo leite de vaca integral. Não se pode esquecer da complementação vitamínica. Uma dose única de 5000UI de vitamina A deve ser dada logo no início; também devem ser administradas vitaminas C e D; o ferro deve ser suplementado na dose de 4,5mg/kg/dia de ferro elementar, acrescentando ácido fólico 1mg/dia. Nas crianças edemaciadas é útil ainda a reposição de potássio via oral 4mEqs/kg, por 2 dias, reduzindo progressivamente nos dias seguintes. Tratamento de condições associadas Edema: geralmente não precisa cuidados especiais. Quando muito intenso, pondo a vida em risco, administrar albumina humana EV (1g/kg) e complementar com potássio. Anemia grave: papa de hemácias 10mg/kg Lesões de pele: banhos com permanganato de potássio a 1:20.000; pincelar com violeta de genciana a 2%, e em lesões extensas usar cremes com nistatina. Seqüelas da desnutrição grave Alguns autores acreditam que, em condições adequadas de recuperação nutricional, há reversibilidade total do déficit estatural. As más condições ambientais em que vivem os desnutridos primários, após a alta hospitalar, é que seriam o fator mais importante do retardo de crescimento, diminuindo a estatura final desses indivíduos. Outros afirmam, entretanto, que quando a estatura foi comprometida, não há normalização total da mesma, o que vai prejudicar especialmente as moças nas gestações e partos futuros. Quando há desnutrição intra-útero, há grande possibilidade de haver lesão grave e permanente do sistema nervoso central. As que ocorrem no período pós-natal podem ocasionar lesões permanentes de acordo com o grau da desnutrição, que são responsáveis pelo retardo de desenvolvimento neuropsicomotor. No entanto, este retardo pode ser reversível, quando a recuperação nutricional se faz em condições sócio-culturais favoráveis, com estimulação psicomotora da criança. Evolução A evolução da desnutrição está na dependência dos seguintes fatores: - Etiopatogenia: se primária, a correção da dieta bastará para que se obtenha a cura; se secundária, a evolução passa a depender da doença que a ocasionou, nem sempre de fácil controle. - Manifestações agregadas: dependem da doença primária que provocou a desnutrição, das complicações desta e principalmente das infecções intercorrentes e distúrbios hidroeletrolíticos, que agravam sobremaneira o prognóstico. - Tratamento: este deve permitir ao organismo reparar os danos já causados durante os diversos estádios patogênicos, além de ser devidamente prolongado para a recuperação. Nos casos de boa evolução, até o fim da 1ª semana, o edemaciado perde peso, para daí em diante começar a recuperação. Sob o ponto de vista psicopatológico, o desnutrido passa por 4 etapas: apatia intensa (1ª semana), receptividade passiva (2ª e 3ª semanas), receptividade ativa (3ª a 7ª semana) e recuperação franca (7ª a 12ª semana). A mortalidade global de desnutrição grave é cerca de 28 % sem predominância de sexo. São fatores indicativos de mau prognóstico: baixa idade, intensidade da desnutrição, hipoalbuminemia, leucopenia, hipotermia, púrpura e presença de distúrbio hidroeletrolítico e infecção agregados. Síndrome de Recuperação Nutricional Caracteriza-se pelo conjunto de modificações clínicas, bioquímicas e histológicas que ocorrem no decorrer de um tratamento bem sucedido do organismo desnutrido. Inicia-se mais ou menos após 20 a 40 dias do início do tratamento e regride cerca de 2 a 3 meses depois. O quadro clínico é variável e se desenvolve tanto nos portadores de marasmo (sendo mais tardia e menos intensa) quanto no kwashiorkor. Constitui-se por: - hepatomegalia: principalmente de lobo esquerdo, com palpação de fígado mole, de bordas lisas e geralmente indolor. Início na 3ª semana e pico máximo por volta da 5ª semana. - Distensão abdominal com rede venosa colateral: abdome globoso com paredes flácidas, não timpânico, semelhante ao batráquio quando a criança está em decúbito dorsal. A rede venosa é ascendente. ize:10.0pt;font-family:"Times New Roman"'>- Ascite: provavelmente por dificuldade circulatória portal, disproteinemia e fator antidiurético formado pelo fígado em sofrimento - Fácies de “lua cheia”: em casos mais intensos - Alteração de pele e fâneros: sudorese abundante, principalmente em segmento cefálico e que aumenta durante o sono; hipertricose, principalmente em fronte, região parotídea, dorso e membros inferiores, com pico em torno da 8ª semana; recuperação da coloração dos cabelos, dando ao conjunto aspecto de pêlo de rato (pontas mais claras que a parte proximal) - Teleangectasias em face - Alterações bioquímicas: hipergamaglobulinemia, eosinofilia e aumento da volemia - Alterações histológicas: esteatose hepática desaparece gradualmente, dando lugar ao quadro de depleção protéica – aumento do volume da célula e reduzido número de grânulos intracitoplasmáticos, dando a impressão de células insufladas. Curva de peso e manifestações clínicas principais da síndrome de recuperação nutriconal (segundo Ramos Galvan & cols. – Fonte: Marcondes)