por Texto Aline Rochedo
Quem não conhece aquele símbolo da paixão que traz a flecha do
cupido atravessando o coração? É uma figura de linguagem popular e
antiga, com raízes na mitologia greco-romana. Na imagem, o alvo do deus
alado é o coração, provavelmente por causa da aceleração cardíaca e do
fogo no peito que sentimos quando cruzamos com quem julgamos ser a nossa
tão almejada cara-metade. O flechaço, no entanto, atinge é a cabeça.
Sim, suspiros, suores, olhares perdidos e todas as sensações comuns
àqueles que estão encantados com alguém nascem no cérebro e são
resultado de uma combinação de componentes que se somam a fatores
culturais e genéticos capazes de levar suas vítimas às nuvens.
Havendo
interesse por outra pessoa, a química rola com substâncias que provocam
sintomas intensos e avassaladores em todo o corpo. Os mais evidentes
são o aumento da pressão arterial, da freqüência respiratória e dos
batimentos cardíacos, a dilatação das pupilas, os tremores e o rubor,
além de falta de apetite, concentração, memória e sono. Tudo provocado
por alterações em regiões específicas já identificadas pela ciência com a
ajuda de ressonância magnética funcional e outras tecnologias.
Uma
das responsáveis pelas descargas de emoções para o coração e as
artérias é a dopamina, um neurotransmissor da alegria e da felicidade
liberado no organismo para potencializar a sensação de que o amor é
lindo. Ficamos agitados, corajosos e dispostos a realizar novas tarefas,
apesar de dormirmos e comermos mal. “O mecanismo cerebral é idêntico ao
de se viciar em cocaína”, diz o neurocientista Renato Sabbatini,
professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas. O
barato é tão forte que o apaixonado pede a Deus – ou aos astros ou a
quem quer que seja – que dure para sempre. No livro Por que nos
Apaixonamos (Ediouro, 2005), a neurocientista francesa Lucy Vincent
afirma que a dependência que o enamorado tem de seu eleito leva a uma
espécie de síndrome de abstinência quando eles se distanciam.
Em
pesquisas recentes, estruturas do cérebro chamadas núcleo caudado, área
tegmentar ventral e córtex prefrontal se mostraram mais ativadas em
pessoas apaixonadas. São zonas ricas justamente em dopamina e endorfina,
um neurotransmissor com efeito semelhante ao da morfina. Juntos, esses
agentes estimulam os circuitos de recompensa, os mesmos que nos
proporcionam prazer em comer quando sentimos fome e em beber quando
temos sede. Estar em contato com a alma gêmea, mesmo que por telefone ou
e-mail, resultará na liberação de mais endorfina e dopamina, ou seja,
de mais e mais prazer.
A feniletilamina, parecida com a
anfetamina, é outra molécula natural associada a essa avalanche de
transformações, assim como a noradrenalina, que contribui com a memória
para novos estímulos. Por isso os apaixonados costumam se lembrar da
roupa, da voz e de atos triviais de seus amados. Hormônios como a
oxitocina e vasopressina, responsáveis pela formação dos laços afetivos
mais duradouros e intensos, como o da mãe com o filho, também tendem a
aumentar nas fases mais agudas, preparando o terreno para um
relacionamento estável.
Novos elementos
Apesar
de a ciência já ter mapeado os principais elementos envolvidos no
mecanismo da paixão, novos agentes continuam surpreendendo. Em novembro
de 2005, a publicação científica americana Psychoneuroendocrinology
divulgou um trabalho da Universidade de Pavia, Itália, mostrando que
euforia, dependência e outros sintomas estão ligados a proteínas do
cérebro. Nos primeiros meses da relação, o componente identificado como
NGF – o mesmo que provoca suor nas mãos, entre outras alterações –
aparece no sangue em níveis elevados. Os cientistas da equipe analisaram
o comportamento da substância em 58 homens e mulheres entre 18 e 31
anos no auge do envolvimento e compararam com um estudo feito com
solteiros e indivíduos com relacionamentos de longo prazo, já observando
mudanças. Entre 12 e 24 meses depois, avaliaram 39 pessoas que ainda
estavam com o mesmo parceiro e viram que os níveis da proteína tinham se
normalizado.
Enquanto a maioria das substâncias químicas
apresenta níveis mais elevados no auge da paixão, a serotonina, que tem
efeito calmante e nos ajuda a lutar contra o estresse, diminui em cerca
de 40%. O índice foi observado no estudo da italiana Donatella
Marazziti, da Universidade de Pisa. Chamou atenção da pesquisadora o
fato de o percentual ser próximo ao da falta desse mesmo
neurotransmissor naqueles que sofrem de transtorno obsessivo compulsivo.
Para Donatella, isso explicaria o pensamento incontrolável, algumas
atitudes insanas, quase psicóticas, e a fixação numa única pessoa na
fase aguda. A diferença é que, quando se trata de paixão, essa loucura
se resolve em poucas semanas, no máximo alguns meses, com as taxas
voltando ao normal, o organismo se acalmando e o amor – estágio seguinte
e sem efeitos colaterais severos, inclusive por atuar numa zona
diferente do cérebro – tomando conta da pessoa. Outra razão para a queda
da serotonina é a produção de mais hormônios sexuais, que facilitam a
aproximação e a formação de pares estáveis, uma missão gravada em nossos
genes.
O prazo de validade do efeito paixão varia de pesquisa
para pesquisa. Sabbatini observa que o fundamental é a paixão passar
naturalmente, o que acontece em alguns meses, com o cérebro
descarregando menos dopamina e reduzindo as endorfinas. “No auge, as
alterações químicas são tão intensas e tão estressantes que, se durarem
tempo demais, o organismo entra em colapso”, diz.
Diferenças de gênero
Agora
responda rápido: quem é mais fraco para a paixão? A mulher ou o homem?
Se você pensa que elas é que se apaixonam mais à primeira vista, não
entende nada de mulheres. São os machões que tendem a se deixar levar
primeiro pela química. Por outro lado, o encantamento deles costuma ser
mais fulminante, podendo durar algumas horas apenas. “Mulheres são mais
cautelosas, dependem de romantismo, e a sua paixão é mais baseada no
psicológico. Só que, quando se instala nelas, normalmente demora mais
tempo para passar”, afirma Sabbatini. As diferenças não param por aí.
Fisiologicamente, a testosterona faz os dois sexos entrarem numa espécie
de meio-termo na fase inicial do flerte. “Apesar de ser o hormônio
sexual típico do homem, ele está presente nos dois organismos, porém em
menor quantidade no feminino. Quando ocorre a paixão, a substância
aumenta e a mulher sente mais libido sexual. Nos homens, a testosterona
cai, deixando-o menos agressivo”, explica.
E o que será que a
nossa suposta alma gêmea tem que as outras pessoas ao nosso redor não
têm? Uma das teorias mais alardeadas é a de que sempre buscamos
feromônios compatíveis. Sinais bioquímicos de disponibilidade sexual, os
feromônios são substâncias naturais e inodoras exaladas continuamente
pelos animais através de poros, saliva, urina e outros canais. Em
borboletas, lobos e macacos, por exemplo, a eficácia desses
sinalizadores sexuais é evidente, já que a atração dos parceiros entra
pelo nariz. Na espécie humana, há inúmeras teorias que afirmam que os
feromônios são essenciais para provocar as primeiras trocas de olhares.
Ainda assim, há quem dê mais crédito para a atração física e às boas
lembranças de momentos vividos juntos. “Aparentemente, o homem é mais
visual”, diz o psiquiatra Teng Chei Tung, do Hospital das Clínicas de
São Paulo, especializado em ansiedade e depressão. Ele chama atenção
para o fato de os principais testes com humanos usarem a fotografia do
ser amado para monitorar as ativações cerebrais. “Provavelmente, num
primeiro momento, o indivíduo se decide pela imagem do alvo, buscando
atributos físicos que denotem um bom reprodutor – ou reprodutora –, de
acordo com os seus padrões. Só que para se chegar à paixão é preciso
algo mais, como uma experiência de convívio, de mais motivações que
ativem as áreas de gratificação”, diz o psiquiatra.
Paixão ou amor?
Resistir
à paixão não é tarefa fácil, pois ela não avisa quando vai se instalar.
Pode desembarcar no cérebro a qualquer momento a partir da
adolescência. Como também é algo regulado por hormônios sexuais e as
mulheres entram na menopausa por volta dos 50 anos, os homens mantêm a
capacidade de se apaixonar por mais tempo. Apesar de atuarem em zonas
distintas do cérebro, a fronteira entre paixão e amor não está bem
definida. Para estudar as diferenças dessas fases – e da atração sexual,
que é uma terceira emoção e que também ocorre em outra área cerebral –,
a antropóloga americana Helen Fisher, da Universidade de Rutgers, de
Nova Jersey, montou um quadro com ajuda de neurobiólogos. A primeira
etapa para a formação de um casal é a busca pela gratificação sexual
urgente. É a ordem para ir à caça, com ação intensa de testosterona. A
paixão é a atração por uma pessoa em particular, a tal explosão química,
irrigada por dopamina, endorfinas e outros componentes. Se
correspondida, deve durar o tempo necessário para se conhecer e se
decidir se dá para seguir em frente. Quando o fogo baixa, o
relacionamento pode continuar, mas o que conta é companheirismo, apego e
vontade de dividir o ninho, procriar e cuidar da prole.
A
fogueira da euforia, entretanto, pode ficar sem lenha e nem evoluir para
a terceira etapa. “Há gente viciada no mecanismo da paixão, que busca
um novo objeto de desejo toda vez que os sintomas passam”, diz
Sabbatini. “Nas pessoas, quando isso é muito freqüente, pode haver
alguma alteração de personalidade, como bipolaridade”, complementa Teng.
E tem a turma que nem chega a se apaixonar. “Alguns conseguem bloquear o
processo ativando áreas mais racionais do cérebro”, afirma o
psiquiatra. “Normalmente, acontece com quem é inseguro ou ansioso. É
quando o medo vence nas decisões. Para não correr riscos, racionaliza a
situação e bloqueia.”
Ninguém nega que sentir as borboletas no
estômago no início da paixão é uma coisa gostosa. O problema é quando a
química toda demora a passar e seus efeitos prejudicam o cotidiano e
estressam demais o organismo. Pior ainda é se o eleito não corresponde
ao apaixonado, que se deprime e se angustia. O que fazer, nesse caso?
Existem drogas, normalmente usadas em tratamentos cardíacos, que podem
inibir ou pelo menos reduzir sofrimentos provocados pela paixão. Os
efeitos desses medicamentos, porém, são passageiros.
http://super.abril.com.br/cotidiano/quimica-paixao-446309.shtml
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