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19 de mar. de 2010

Luta contra a resistência das bactérias

Luta contra a resistência das bactérias
Novo composto pode tornar antibióticos mais eficazes
por Gary Stix
Floyd E. Romesberg obteve seu doutorado na Universidade Cornell em 1994, depois de anos pesquisando como os sais dialquilamidas de lítio, usados para remover prótons de substâncias, reagem e em qual velocidade. Depois de defender a tese, decidiu fazer pós-doutorado em uma área diferente na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde obteve a promessa de seu orientador, o bioquímico Peter G. Schultz, de que poderia dizer adeus à físico-química e mergulhar de vez na imunologia.
No laboratório de Schultz, Romesberg ficou intrigado sobre o processo molecular que fundamenta a evolução. Hoje, seu laboratório no Instituto de Pesquisa Scripps, em La Jolla, Califórnia, investiga diferentes questões relacionadas ao processo evolutivo. A pesquisa que talvez tenha importância prática mais imediata tenta compreender como o curso evolucionário às vezes apresenta excesso de atividade. Esse conhecimento poderia ser usado para bloquear o processo fundamental que permite à bactéria sofrer rápida mutação, o que pode levar à superação da resistência bacteriana a antibióticos.

Mutações genéticas normalmente provêm de erros que ocorrem no momento em que uma célula se reproduz. Muitas vezes elas ferem as células; por isso, estas evoluíram para sofrer o mínimo de mutação. As células vêm equipadas com seu próprio controle de qualidade e equipamento de reparo para garantir que o DNA seja copiado com o menor número de erros possível. Ainda assim, às vezes uma célula adota o processo da mutação genética - em essência, evolução em velocidade acelerada.

Desde a década de 70, os cientistas conhecem um processo - a resposta SOS - que aproveita a mutação como forma de autodefesa. Quando as bactérias estão sob tensão extrema, elas inicialmente tentam reparar o dano de vários modos. Em seguida, acionam genes cujos produtos protéicos desencadeiam uma série de mutações que ocorrem 10 mil vezes mais rápido que aquelas originárias durante a replicação normal.

Essencialmente, as células sofrem uma rápida mudança de identidade.
A bactéria Escherichia coli, por exemplo, responde ao dano prolongado no DNA causado pela ciprofloxacina (ou simplesmente cipro) e por outros antibióticos mandando um SOS. As mutações impedem que a droga se ligue a seu alvo - a proteína girase, que é necessária para a replicação do DNA. Se a bactéria não a protegesse, o antibiótico se ligaria a ela e como resultado, evitaria a replicação normal, causando quebras no DNA que levariam à morte da bactéria.

Romesberg decidiu investigar se a cascata de mutações que permite o surgimento da resistência a antibióticos na E. coli poderia ser evitada caso o sistema de SOS fosse desligado. Em experimentos publicados em junho de 2005 na PLoS Biology, Romesberg, Ryan T. Cirz, Jodie K. Chin e colaboradores da Universidade de Wisconsin, em Madison, descobriram que a ciprofloxacina induz o pedido de socorro na E. coli ao desencadear a quebra de uma proteína chamada LexA, que mantém a resposta de SOS reprimida. Uma vez rompida, a proteína repressora permite que três enzimas DNA polimerases comecem a produzir mutações, desenvolvendo a resistência.

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Os pesquisadores então criaram uma cepa de E. coli em que a LexA não pudesse ser quebrada e descobriram que a resposta SOS não acontecia. Camundongos infectados com a E. coli patogênica, e tratados com ciprofloxacina, não desenvolveram resistência. O grupo conseguiu resultados similares para outro antibiótico, a rifampicina. Agora está averiguando se o bloqueio da quebra da LexA na E. coli é capaz de evitar a resistência a outros antibióticos e minar a resistência aos remédios em outros organismos. A ciprofloxacina, no entanto, é por si só uma droga importante. Algumas cepas da bactéria que causa disenteria epidêmica - Shigella dysenteriae -, por exemplo, tornaram-se resistentes a todos os antibióticos, exceto a ela. A disenteria causa dezenas de milhares de mortes em países em desenvolvimento.

Quando o laboratório de Romesberg começou a obter esses resultados em 2002, ele logo viu o potencial farmacêutico - uma pequena molécula que poderia ser administrada via oral junto com um antibiótico. A droga funcionaria como interruptor para desligar a quebra da LexA. Ele e dois parceiros levantaram US$ 15 milhões para começar uma empresa, a Achaogen.

Financiadores costumam ser cautelosos sobre sucessos em estágios primários. Mas estavam abertos para uma nova abordagem à resistência antibiótica - a maior parte das soluções propostas até então envolviam novos tipos de antibióticos -, e a empresa agora está testando diversas linhas. No entanto, como sempre, a engenhosidade da bactéria pode transformar um monte de trabalho árduo em nada. Stuart B. Levy, especialista em resistência antibiótica da Universidade Tufts, comentou que o trabalho de Romesberg fornece novos pontos de vista, mas pode não ser tão abrangente. "Estamos sempre de olho em novas abordagens, especialmente aquelas que combatem a resistência", ele diz. "Essa descoberta está focada em um limitado mecanismo genético de resistência a drogas - a mutação cromossômica." Alguns tipos de resistência atacam diretamente o antibiótico, diz o pesquisador. Elas podem ocorrer por meio da transferência de genes de resistência de uma espécie de bactéria para outra e também na mesma espécie.

A equipe de Romesberg, contudo, decidiu se concentrar nas fluorquinolonas (família da ciprofloxacina) porque a resistência a elas se desenvolve somente por meio de mutações cromossômicas (a resposta SOS) e porque elas devem, segundo previsões, se tornar a classe mais vendida de antibióticos em 2011.

Mas um adendo inesperado - e indesejado - à publicação do trabalho na PLoS Biology surgiu quando a comunidade que defende o design inteligente (contrário à teoria da evolução) recebeu os resultados como a confirmação de sua visão de mundo não ortodoxa. As mutações observadas nos experimentos de Romesberg não seriam aleatórias, diziam seus defensores, mas desencadeadas por deliberada direção da bactéria. "A vida toma o controle de seu destino. Coisas vivas não são participantes passivos do jogo entre eventos estocásticos e pressões ambientais", escreveu um membro do grupo no site idthink.net. Com o pseudônimo Mike Gene, ele acrescentou: "Que a evolução possa estar sob alguma forma de controle intrínseco é só uma peça do quebra-cabeça teleológico [do design na Natureza]. Mas é uma peça significativa que a habilidade de se adaptar, pelo menos nesses dois antibióticos, esteja sob controle".

Romesberg evitou entrar nesse debate, mas descarta quaisquer bases para essas asserções. A resposta SOS "não diz nada sobre a religião. Ela fala sobre quão bem-sucedida e criativa a evolução pode ser. Mas não há nada mágico sobre ela", diz.

O pesquisador conta que decidiu explorar a resistência antibiótica porque os passos de desenvolvimento de drogas eram descomplicados e relativamente simples: "Se vencermos, então estaremos mais bem equipados para lidar com o próximo nível de complexidade". Ele se refere ao câncer, doença para a qual a resistência a drogas também é um problema que intimida. Tanto sua equipe de pesquisa quanto sua empresa planejam desenvolver um tratamento capaz de substituir a quimioterapia para evitar as mutações que levem à resistência a drogas anticâncer

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