Esses objetos consistiam de varetas, caules, troncos e gravetos, que eram usados principalmente para a alimentação com insetos, e folhas que eram usadas como ‘ferramentas para beber’ e para limpar várias partes do corpo”.
Enquanto o grupo de animais não-humanos conhecidos por usar ferramentas se expandiu significativamente nos quase 50 anos desde que Goodall observou seu primeiro chimpanzé de Gombe, o ato de usar varetas em cupinzeiros e degustar os cupins que viviam no seu interior se tornou um exemplo icônico do uso não-humano de ferramentas, o modelo pelo qual julgamos todas as outras formas possíveis.
Talvez seja menos sabido que outro primata, o orangotango da Sumatra (Pongo abelii), também `pesca` com varetas. Em vez de pescar cupins, ele consegue mel.
Assim como humanos e chimpanzés, comunidades de orangotangos na ilha de Sumatra, na Indonésia, têm tradições diferentes. Apenas aqueles que vivem a oeste do Rio Alas já foram observados acessando mel com varetas. O comportamento nunca foi observado na natureza entre os orangotangos que vivem a leste do rio.
Há um consenso geral entre psicólogos cognitivos de que diferenças genéticas entre comunidades da mesma espécie não são suficientes para explicar a variação no uso de ferramentas que foi observado. E nem o são as diferenças ambientais entre comunidades tipicamente grandes o suficiente para serem responsáveis pela emergência de formas particulares de uso de ferramentas em alguns grupos, mas não em outros.
A explicação que permanece é unicamente cognitiva. Isto é, diferenças culturais devem ser explicadas por um processo de aprendizagem social.
Depois de um indivíduo usar espontaneamente uma ferramenta para um determinado propósito, o comportamento se espalharia pelo grupo todo. Indivíduos ingênuos ou inexperientes aprenderiam sobre ferramentas ao observar indivíduos mais velhos ou mais experientes usando-as com sucesso.
Com o tempo, o comportamento se tornaria estável dentro daquele grupo social específico.
A implicação dessa hipótese do uso de ferramentas é que indivíduos de comunidades em que o uso de ferramentas não foi observado são, capazes de usar ferramentas do ponto de vista cognitivo, não são menos aptos mentalmente.
Em vez disso, o uso espontâneo de uma ferramenta simplesmente nunca ocorreu ou, se ocorreu, não se espalhou pelo grupo por questões circunstanciais.
Essa ideia não é fácil de provar, mesmo tendo sentido lógico.
A aprendizagem social entre primatas como chimpanzés ou orangotangos está muito bem documentada em cativeiro e entre primatas nascidos na Natureza que depois foram resgatados e criados em santuários.
Pesquisadores, no entanto, não conseguiam projetar um experimento para provar que comportamentos “considerados culturais na Natureza” eram disseminados por meio da aprendizagem social.
Agora, um grupo de pesquisadores conduzido por Thibaud Gruber, da Universidade de Zurique pode ter feito exatamente isso.
A vida é dura para os orangotangos da Sumatra, em primeiro lugar graças à perda de hábitat decorrente do desmatamento provocado pela extração de madeira e por indústrias de óleo de palma.
Como resultado, muitos orangotangos acabam no Centro de Cuidados Batu Mbelin, em uma cidade chamada Sibolangit no norte da Sumatra. Lá, orangotangos selvagens que foram resgatados ou confiscados são reabilitados (primeiro em quarentena e depois em grupos sociais) antes de serem soltos em partes das florestas da Sumatra mais seguras para eles.
Já que tanto os orangotangos das comunidades que pescam mel a oeste do Rio Alas quanto os de comunidades a leste do rio que não fazem isso acabam em Batu Mbelin, o lugar era perfeito para a equipe de Gruber avaliar as capacidades de uso de ferramentas dos desses primatas. Também era muito mais seguro para os pesquisadores, devido à instabilidade política em outras partes da Sumatra.
Eles deram aos orangotangos dois tipos diferentes de tarefas associadas a varetas.
Na tarefa do mel, eles receberam um tronco de madeira com um buraco no centro, além de um galho de madeira que tinha sido destituído da maioria de suas folhas. Os orangotangos assistiram enquanto um zelador colocava mel no buraco. Em seguida os pesquisadores observaram durante dez minutos para ver se os primatas colocariam as varetas no buraco para obter o mel.
De 13 indivíduos originários do oeste do rio, nove foram bem sucedidos, se comparados a apenas dois de 10 indivíduos do leste. Isso foi consistente com as observações de campo de que o ato de mergulhar varetas no mel era prevalecente no oeste, e quase ausente no leste.
Em seguida veio a tarefa de rastelagem.
Os orangotangos receberam duas varetas: uma reta e uma curvada. O teste foi para saber se eles tentariam usar qualquer uma das ferramentas para obter um pedaço de comida que estava fora de alcance. 10 dos 13 orangotangos ocidentais tiveram sucesso, além de quatro de 10 dos orientais.
Ainda que a margem de 77% de sucesso dos orangotangos ocidentais e de 40% dos orientais pareça grande, ela não é estatisticamente significativa.Os dois grupos podem, portanto, ser vistos como igualmente aptos no que diz respeito ao uso de uma vareta ou de um rastelo.
Com base apenas nesses resultados, pode parecer razoável concluir que o ato de obter mel poderia ser explicado por fatores cognitivos e não genéticos, já que os dois grupos foram capazes de executar a tarefa com o rastelo.
Os orangotangos do leste não eram menos habilidosos nas duas tarefas relacionadas a varetas, apenas na relativa ao mel. No entanto, os resultados não são tão claros.
Os pesquisadores não tinham descartado completamente a genética como possível fator levando ao uso eficiente de ferramentas, apenas sugeriram isso. De acordo com sua hipótese, se a genética influenciava a habilidade de usar varetas como ferramentas em geral, o sucesso na tarefa de rastelagem deveria prever o sucesso na tarefa do mel.
Usando um modelo estatístico, Gruber observou que a idade, o sexo, a idade ao chegar ao centro e o sucesso no teste de rastelagem não eram fatores que determinavam sucesso na tarefa com o mel.
Na verdade, a única variável que previa sucesso na tarefa do mel era a origem geográfica. Isso apoia a ideia de que a aprendizagem social, e não a genética ou o ambiente, é a chave do uso de ferramentas.
“Esses resultados”, escreve Gruber, “apoiam a hipótese de que o Rio Alas constitui uma barreira geográfica para a disseminação da variante cultural de mergulhar varetas no mel”.
As florestas a oeste do rio também são capazes de manter mais orangotangos por quilômetro quadrado do que aquelas a leste do rio, dando ainda mais apoio à hipótese de aprendizagem social. O fato é particularmente interessante porque novos comportamentos só podem se propagar eficientemente em um grupo por meio da aprendizagem social quando a densidade populacional é suficientemente alta.
Há mais nessa história. De acordo com os pesquisadores, a maioria dos orangotangos que participaram do estudo e tiveram sucesso na tarefa do mel chegaram a Batu Mbelin com uma idade em que eram jovens demais para terem experimentado a busca de mel com uso de ferramenta na Natureza.
Observações de campo indicaram que orangotangos juvens não usam ferramentas sozinhos até os quatro anos, e só se tornam suficientemente habilidosos nisso até os seis ou sete anos. Dos orangotangos `pescadores` de mel do centro de cuidados, apenas dois podem ter atingido essa idade antes de serem separados de seus grupos e levados a Batu Mbelin.
Como a explicação genética já tinha sido descartada com a tarefa de rastelagem, os pesquisadores especulam que os dois grupos de orangotangos chegaram ao centro com diferentes conhecimentos adquiridos, mas que seu conhecimento não foi resultado dos comportamentos que eles já tinham desenvolvido completamente ou praticado extensivamente.
Em vez disso eles argumentam que o conhecimento cultural, como o uso de varetas para acessar mel, pode ser tomado como abstração, como ideias, em vez de concretamente como um comportamento específico.
Talvez os orangotangos do oeste tenham tido a ideia de que varetas poderiam ser usadas para obter mel ao observar outros indivíduos, antes de serem fisicamente capazes de executar esses comportamentos.
A conclusão, mesmo altamente especulativa, tem base teórica. Ao alterar as exigências de diferentes tarefas cognitivas, psicólogos do desenvolvimento descobriram que crianças humanas são capazes de raciocínios de alto nível antes de sua anatomia relativamente imatura dar-lhes a habilidade de agir sobre esse raciocínio.
Uma criança pode se sair bem em uma tarefa que pede contato visual, mas não em uma versão da mesma tarefa que requer um alcance maior. (Às vezes isso é visto como uma distinção entre desempenho e competência, noção apoiada por muitos psicólogos do desenvolvimento mas não aceita universalmente.)
Por analogia, é possível que orangotangos do oeste tenham observado o uso de varetas para se alimentar de mel, mesmo que não tenham praticado o suficiente antes de chegarem a Batu Mbeling. Teriam, assim, uma compreensão da ferramenta no nível das ideias o que os tornaria suficientemente preparados para a tarefa.
Será que a cultura é adquirida “no nível representativo”, como escreve Gruber, “e não no nível comportamental”? O argumento se baseia na noção de que orangotangos não são usuários proficientes de ferramentas até atingirem seis ou sete anos, mas isso é derivado de um único estudo observacional. Mais observações de campo seriam necessárias para fortalecer o argumento.
As observações dos pesquisadores, porém, estão ficando mais difíces uma vez que a sobrevivência dos orangotangos da Sumatra está cada vez mais ameaçada pela perda de hábitat.
Nos últimos 75 anos, os orangotangos da Sumatra perderam quase 80% de sua população. Restam apenas entre 7000 e 7500 indivíduos. Se não houver mais proteção a esses animais, a cultura dos orangotangos vai simplesmente desaparecer.
Gruber T., Singleton I. & van Schaik C. (2012). Sumatran Orangutans Differ in Their Cultural Knowledge but Not in Their Cognitive Abilities,Current Biology, 22 (23) 2231-2235. DOI: 10.1016/j.cub.2012.09.041