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3 de abr. de 2014

ESPECIAÇÃO

Especiação é o processo evolutivo pelo qual novas espécies são formadas. Assim sendo, ao longo dos tempos novas espécies têm surgido e outras têm se extinguido. As populações, por seu turno, são caracterizadas pela sua carga genética e pela frequência de alelos que a compõe, sendo essa frequência variável entre populações da mesma espécie. A interrupção de intercâmbio livre entre as várias populações de uma espécie leva ao acúmulo de diferenças genéticas entre elas. Essas diferenças decorrem, basicamente, de mutações, recombinação genética e seleção, podendo levar a uma situação que não permite o cruzamento entre as populações. Este isolamento reprodutivo caracteriza a formação de espécies diferentes. A divergência genética entre elas e a espécie ancestral é, via de regra, irreversível e tende a aumentar. Considera-se a existência de dois processos básicos de especiação: anagênese e cladogênese ou especiação por diversificação (esquema abaixo).
I. Anagênese
Na anagênese, a população vai se modificando gradativamente ao longo do tempo, podendo resultar em um grupo tão diferente do ancestral a ponto de se constituir uma espécie nova. Neste processo não há isolamento geográfico, como ocorre na cladogênese. A anagênese é, em última análise, uma evolução continua que gera uma nova espécie, como mostra o esquema anterior. A mutação, a recombinação gênica e a seleção natural são exemplos de eventos anagênicos. A evolução resultante da anagênese é frequentemente denominada de microevolução.
II. Cladogênese
Na especiação por cladogênese (esquema anterior), as novas espécies se formam a partir de grupos que se isolam, graças a uma barreira geográfica natural ou artificial. Essa barreira, evidentemente, impede a troca de genes entre os referidos grupos. Após longo tempo de isolamento, as populações separadas podem originar novas espécies, por acúmulo de mutações e adaptações às condições ambientais diferentes. As duas populações ou linhagens filogenéticas, que inicialmente pertenciam a uma mesma espécie, são chamadas de clados, daí a denominação de cladogênese, atribuída a esse mecanismo de especiação. Admite-se que a maioria das espécies surgiu por cladogênese, sendo, portanto a forma mais comum de especiação.
A especiação por cladogênese pressupõe a ocorrência de, pelo menos, três etapas sequenciais: isolamento geográfico, diversificação gênica (pressão de seleção diferente) e isolamento reprodutivo.
1. Isolamento geográfico: consiste na formação de barreiras que separam uma população em subpopulações (figura a seguir). As barreiras, denominadas geográficas ou ecológicas, que promovem esse isolamento podem ser representadas por um rio que corta uma planície, um vale que separa dois planaltos ou um braço de mar que separa ilhas e continentes. Impedindo a passagem de indivíduos, elas interrompem também o fluxo gênico entre os dois grupos, que passam então a ser submetidos à ação da seleção natural em ambos os lados. Dessa forma, o isolamento geográfico faz com que variabilidades genéticas novas, surgidas em uma das subpopulações, não sejam transmitidas para a outra.
2. Diversificação gênica: é a progressiva diferenciação do conjunto gênico de subpopulações isoladas, que é causada, basicamente, por dois fatores: mutações e seleção natural. As mutações respondem pela introdução de alelos diferentes em cada um dos grupos isolados, que passarão a integrar o pool gênico (conjunto gênico). A seleção natural, atuando em ambientes distintos, tende a preservar certos genes em uma das subpopulações, que são transferidos aos descendentes, por meio da reprodução, e a eliminar genes similares em outra subpopulação, acentuando, como consequência, a diversidade gênica e adaptando os grupos a diferentes nichos ecológicos. Dessa forma, essas subpopulações, assim separadas, acumulam diferenças ao longo do tempo, podendo chegar a desenvolver mecanismos de isolamento reprodutivo, que caracteriza a formação de novas espécies.
3. Isolamento reprodutivo: é a incapacidade, total ou parcial, de membros de duas populações se cruzarem. Ele atua impedindo a mistura de genes das populações quando elas entram em contato. Via de regra, após um longo período de isolamento geográfico, as populações isoladas se tornam tão diferentes que não mais conseguem cruzar ou não formam descendentes férteis, mesmo depois do desaparecimento da barreira geográfica. Quando isso ocorre, elas são consideradas espécies distintas. O isolamento reprodutivo evolui, portanto como subproduto da divergência entre populações geograficamente afastadas.
Os mecanismos de isolamento reprodutivos podem ser classificados em dois grupos: pré-zigóticos e pós-zigóticos.
I. Mecanismos pré-zigóticos: são aqueles que impedem a fecundação entre indivíduos de espécies diferentes e, consequentemente, a formação do zigoto. Relacionamos a seguir os principais tipos:
Ia. Isolamento estacional ou sazonal: decorre de diferenças nas épocas de reprodução. Neste caso, indivíduos de dois grupos tornam-se aptos ao acasalamento em diferentes épocas ou estações do ano. Como exemplo, citamos grupos diferentes de rãs que vivem em uma mesma lagoa, mas não se reproduzem na mesma época.
Ib. Isolamento de hábitat ou ecológico: resulta da ocupação de diferentes hábitats, mesmo vivendo em uma mesma região. Dessa forma, essas populações estão isoladas e não trocam genes entre si. Em condições naturais, leões e tigres, por exemplo, podem se cruzar em cativeiro, produzindo descendentes férteis. Na natureza, entretanto, não se cruzam por viverem em hábitats diferentes.
Ic. Isolamento etológico ou comportamental: decorre de diferentes padrões de comportamento de corte, antes do acasalamento ou diferenças na produção e recepção de estímulos que levam machos e fêmeas a se reproduzirem. Ele representa um fator de fundamental importância na reprodução de diversas espécies animais e ocorre principalmente nos vertebrados, particularmente entre as aves, embora também se verifique entre os insetos. O comportamento de um dos sexos não é, em última análise, compreendido pelo outro sexo. Via de regra, as fêmeas só aceitam o macho depois que ele realiza um complexo ritual de corte, típico para cada espécie. Como exemplo, citamos os sinais luminosos emitidos por vaga-lumes machos que, dependendo das espécies, variam na frequência, na duração da emissão e na cor, levando a que a fêmea só responda ao sinal emitido pelo macho da sua própria espécie. Outro exemplo é representado pelo canto das aves. Sendo esse canto específico, as fêmeas são atraídas para o território dos machos de sua espécie.
Id. Isolamento mecânico ou incompatibilidade anatômica: resulta da incompatibilidade estrutural dos órgãos reprodutores de diferentes espécies, não as adequando, fisicamente, a ocorrência do ato sexual. Isso pode ocorrer tanto em animais quanto em vegetais, em que a diferença de tamanho ou forma dos órgãos genitais impede a cópula. Nas plantas, por exemplo, há casos em que o tubo polínico não consegue germinar no estigma de uma flor de outra espécie. No que concerne aos animais, ele representa um mecanismo importante em artrópodes, com genitálias rígidas e exoesqueleto, embora também ocorra em gastrópodes e em anelídeos.
Ie. Mortalidade gamética: resulta de fenômenos fisiológicos que impedem a sobrevivência dos gametas masculinos de uma espécie no sistema reprodutor feminino de outra. É evidente que esse mecanismo só ocorre em espécies que apresentam fecundação interna. Esse processo ocorre em moscas do gênero Drosophila.
II. Mecanismos pós-zigóticos: são aqueles que inviabilizam a sobrevivência do híbrido ou a sua fertilidade. Mesmo ocorrendo a cópula, esses mecanismos impedem ou reduzem seu sucesso. Neste caso, o desenvolvimento do zigoto é inviável, ou se ocorrer, a progênie pode ser frágil e morrer rapidamente ou ainda ser infértil. O insucesso na reprodução configura uma alteração na carga gênica dos seres envolvidos, a ponto de ocasionar a falta de estabilidade necessária na(s) formação(ões) do(s) novo(s) organismo(s) gerado(s). Nesse grupo, relacionamos:
IIa. Mortalidade do zigoto: a fecundação entre gametas de espécies diferentes pode levar à formação de zigoto pouco viável, que não se desenvolve após a fecundação, morrendo em face da ocorrência de desenvolvimento embrionário irregular. Esse processo é muito comum entre os peixes dotados de fecundação externa. Neles, embora possa haver facilidade de união dos gametas, a incompatibilidade genética impede o desenvolvimento do zigoto.
IIb. Inviabilidade do híbrido: neste caso, os membros de duas espécies podem copular, o zigoto se forma, mas o embrião morre prematuramente, devido à incompatibilidade que ocorre entre os genes maternos e paternos. Como exemplo citamos o caso de algumas espécies de rãs que, embora habitem uma mesma lagoa e possam, eventualmente, cruzar-se, geram híbridos interespecíficos que não se desenvolvem.
IIc. Esterilidade do híbrido: neste caso, há formação do híbrido interespecífico que, por vezes, é até mais vigoroso que os membros das espécies parentais (fenômeno conhecido como vigor do híbrido ou heterose), sendo, entretanto, estéril. A esterilidade pode ser decorrente da presença de gônadas anormais ou da dificuldade de emparelhamento cromossômico na meiose. Como exemplo clássico, citamos o caso do burro ou da mula (muares), que é um híbrido estéril, resultante do cruzamento entre o jumento (Equus asinus) e a égua (Equus cabalus). Os cromossomos dos genitores do burro apresentam diferenças na homologia e no número. Enquanto o jumento tem 2n = 62, a égua tem 2n = 64. Nas células germinativas do burro, os cromossomos não se emparelham corretamente, impedindo a ocorrência de meiose normal e, consequentemente, a formação de gametas viáveis. A mula e o burro (figura abaixo) são considerados híbridos interespecíficos. Eles não constituem uma terceira espécie.
Lembramos que o pintagol (ou arlequim), que resulta do cruzamento entre um pintassilgo macho e uma canária; o tigão (ou ligre), produto do cruzamento de uma leoa com um tigre e o lepórido, gerado a partir do cruzamento entre uma lebre e um coelho, são também considerados híbridos interespecíficos.
IId. Deterioração da geração F2: neste caso, a primeira geração de híbridos interespecíficos (F1) é normal e fértil, seus filhos, entretanto, que representam a geração F2, são fracos ou estéreis. Isso se deve à recombinação gênica incompatível, que ocorre na formação dos gametas que dão origem à geração F2.
Em face de envolver grande desperdício de tempo e de energia, sem que haja a perpetuação de seus genes através da reprodução, o isolamento pós-zigótico é, evolutivamente, desvantajoso para as espécies que se entrecruzam.
Considerando o fator tempo, em termos geológicos, fala-se em dois tipos de especiação (figura a seguir): gradualismo filético e equilíbrio pontuado (saltacionismo, pontualismo ou teoria dos equilíbrios intermitentes).
I. Gradualismo filético: teoria evolutiva proposta por Charles Darwin no seu livro “A Origem das Espécies”, publicado em 1859. Segundo o gradualismo filético, a evolução ocorre através do acúmulo de pequenas modificações sucessivas ao longo de várias gerações e não por grandes saltos, sendo, portanto, um processo anagênico. As novas adaptações evoluem em pequenos passos, a partir de órgãos, padrões de comportamento, células ou moléculas preexistentes. Dessa forma, as diferenças entre os organismos, mesmo naqueles dotados de diferenças radicais, envolvem o incremento de pequenos passos através de formas intermediárias, como mostra a figura anterior. O gradualismo resulta, portanto, do acúmulo de pequenas diferenças genéticas ao longo de várias gerações, sob a influência da seleção natural.
II. Equilíbrio pontuado: teoria evolutiva proposta pelos paleontólogos norte-americanos Stephen Jay Goulde Niles Eldredge, em 1972. O equilíbrio pontuado, ao contrário do gradualismo darwiniano, supõe que as espécies se formam a partir de um ancestral comum por mudanças rápidas, pouco se modificando, depois, ao longo de sua existência. Nele há, portanto, longos períodos de “estase”, no qual ocorre acúmulo de mutações genéticas, “pontuados” por “boons” de especiação. Desse modo, a especiação não ocorre de forma constante, mas alternada em período de escassas mudanças, com súbitos saltos que caracterizam alterações estruturais ou orgânicas adaptadas e selecionadas. Não sendo graduais, como propõe o gradualismo (ver figura anterior), as mudanças levam a eventos que pontuam ou interrompem um longo período de estabilidade evolutiva (figura abaixo).
A principal diferença do equilíbrio pontuado para o gradualismo filético é que, no primeiro, a maior parte da evolução se concentra nos eventos de cladogênese, diferentemente do que ocorre com o gradualismo, em que as mudanças estão associadas a processos anagênico, como vimos acima. O equilíbrio pontuado objetiva explicar a dificuldade em encontrar formas intermediárias de fósseis que registrem as mudanças graduais dos organismos ao longo do tempo, lacunas que as ideias tradicionais atribuem ao fato de os registros fósseis serem incompletos e falhos. A ideia do equilíbrio pontuado tem provocado grande polêmica nos meios científicos e vem, nos últimos tempos, ganhando alguns adeptos, sendo apontada hoje como uma teoria muito original.
Trabalhos desenvolvidos por Doug Erwin e Robert Anstey, em 1995, revisando vários estudos que visavam testar a teoria do equilíbrio pontuado, levaram a conclusão que a especiação às vezes é gradual e às vezes é pontual.Não há, portanto, segundo eles, um único modo que seja típico do complicado processo de especiação.
ESPECIAÇÃO POR POLIPLOIDIA
Os mecanismos de especiação são, via de regra, graduais e podem levar milhões de anos para se completar. Pode ocorrer, entretanto, o surgimento “brusco” de novas espécies por poliploidia, fenômeno raro nos animais e relativamente frequente nos vegetais, nos quais tem sido um mecanismo importante para a diversificação e especiação. Dessa forma, duas espécies simpátricas (vivendo na mesma região) podem originar, “instantaneamente”, uma nova espécie por poliploidia. Acidentes cromossômicos ocorridos durante a divisão celular podem gerar gametas diploides, em vez de haploides, como acontece normalmente. Esse fenômeno ocorre, geralmente, quando não há citocinese o que leva à formação de uma célula como o número anormal de cromossomos.
Lembramos que indivíduos poliploides são aqueles que apresentam um número múltiplo exato do genoma típico da espécie. Eles são denominados triploides (3n), tetraploides (4n), pentaploides (5n), etc., conforme possuam três, quatro, cinco ou mais genomas, respectivamente. Há dois tipos de organismos poliploides: autopoliploide e alopoliploide. Os autopoliploides são indivíduos cujos progenitores são da mesma espécie e a poliploidia resulta de um erro na divisão do zigoto. Os alopoliploides, por seu turno, resultam de progenitores de espécies diferentes e surgem em decorrência de uma duplicação cromossômica no híbrido. Os organismos poliploides são, via de rega, mais fortes, maiores e dotados de maior capacidade de adaptação a novas condições que os diploides. Devido à redundância genética, eles costumam apresentar uma grande resistência a doenças genéticas e mutações, provavelmente em função de eles poderem combinar as melhores características das espécies progenitoras. Em consequência disto, eles “fogem” um pouco às pressões seletivas.
A junção de gametas diploides pode levar à formação de zigotos tetraploides, que podem se desenvolver e originar indivíduos com o número de cromossomos duplicado em relação à espécie ancestral. Dois indivíduos tetraploides podem cruzar produzindo descendência fértil. Do cruzamento entre um tetraploide, que nem sempre é isolado reprodutivamente das espécies parentais, e um diploide, entretanto, surgem indivíduos triploides que são estéreis. A duplicação do número de cromossomos não leva, necessariamente, ao cessar de fluxo gênico entre os recém-criados poliploides e os seus parentais diploides. Essa especiação (especiação por mutação) ocorre, portanto, na ausência de barreira geográfica, sendo dessa forma, um processo anagênico.
Como exemplo de especiação poliploide, entre os vegetais, citamos o trigo atual (Triticum sativum), dotado de 42 cromossomos (2n = 42). Ao que tudo indica ele surgiu, há cerca de 8.000 anos, por hibridização de um trigo possuidor de 2n = 28 cromossomos (Triticum turgidum) com um trigo dotado de 2n = 14 cromossomos (Triticum tauchii), sendo, portanto, um alopoliploide. Nessa especiação, ocorreu no Triticum sativum (híbrido tetraploide) uma duplicação total dos seus cromossomos (figura a seguir). Assim sendo, ele passou a ter os dois conjuntos de cromossomos, herdados dos progenitores, em pares homólogos, com consequente produção de gametas diploides viáveis, através de meioses normais. O Triticum sativum possui, portanto, um patrimônio genético próprio, isolando-o reprodutivamente dos seus antecessores (Triticum turgidum e Triticum tauchii). Supõe-se que outras espécies de plantas poliploides, como o algodão, a batata e o tabaco, tiveram sua origem a partir de hibridização entre espécies diferentes, sendo, a exemplo do Triticum sativum, alopoliploides.
No que diz respeito aos animais, a poliploidia ocorre com certa frequência em vertebrados inferiores.  Como exemplo, citamos a espécie tetraploide da rã Hyla versicolor (2n = 48), que resultou de mutações por poliploidia em populações da rã Hyla shrysocelis (2n = 24). Essas duas espécies se distinguem, no campo, pelas vocalizações e, no laboratório, pelos cariótipos. Estudos diversos têm mostrado que a poliploidia ocorre atualmente em lagartos Cnemidophorus tesselatus, peixes Poecilia formosa (parentes dos peixes de aquário mollys e guppies), rãs Rana esculenta e parece ter ocorrido em peixes da família dos ciprinídeos, dentre outras espécies.
No Brasil, Maria Luiza Beçak e Willy Beçak, pesquisadores do Instituto Butantan de São Paulo, desenvolveram estudos envolvendo o sapo Odontophrynus americanus, que apresenta uma forma tetraploide com 2n = 44 cromossomos e outra diploide com 2n = 22 cromossomos. Embora não se cruzem na natureza, as duas formas são, na prática, indistinguíveis morfologicamente. Trabalhos experimentais, principalmente em níveis moleculares e fisiológicos, desenvolvidos ultimamente, reforçam a proposição de uma nova nomenclatura científica para Odontophrynus americanus 2n e 4n, classificando-os como espécies distintas ou pelo menos em curso de especiação.
ESPECIAÇÃO SIMPÁTRICA
A especiação se diz simpátrica quando duas espécies podem surgir sem que tenha havido isolamento geográfico, divergindo quando ainda ocupam a mesma área geográfica, sendo, dessa forma um processo anagênico. Nessa especiação, fatores intrínsecos à população, como a poliploidia, conduzem ao isolamento genético. Espécies simpátricas (que vivem em uma mesma área geográfica), portanto, são aquelas que coexistem lado a lado, explorando o meio de forma diferente. Admite-se que a seleção disruptiva [ver “seleção natural (sobrevivência dos mais aptos), matéria publicada neste blog em 14/10/2011], possa levar à especiação simpátrica pelo favorecimento dos indivíduos com fenótipos extremos de uma população. Neste caso, a seleção força a diferenciação de conjuntos gênicos distintos, o que eventualmente pode levar ao isolamento reprodutivo.
A especiação simpátrica é muito comum em plantas, em face de elas poderem desenvolver, como mencionamos acima, conjunto múltiplo de cromossomos homólogos, resultando em organismos poliploides. Dessa forma, a especiação por poliploidia, em que os descendentes poliploides, embora reprodutivamente isolados, ocupam o mesmo ambiente das plantas parentais, constitui, também, um exemplo de especiação simpátrica.
ESPECIAÇÃO ALOPÁTRICA
A especiação se diz alopátrica ou geográfica quando a população inicial se divide em dois grupos geograficamente isolados, devido, por exemplo, a fragmentação do seu habitat (isolamento geográfico), levando a um impedimento do fluxo gênico entre eles. A barreira geográfica pode surgir por mudanças geológicas e geomorfológicas (cursos d’água, rios, cadeias de montanhas, deriva continental, vulcões, etc.), bem como por eventos de dispersão (deslocamento de populações para regiões distantes, dispersão causada pelas correntes marinhas, etc.). Esses grupos vão sofrendo diferenciações por estarem sujeitas a mutações diferentes, pressões seletivas diferentes ou fatores aleatórios, como a deriva genética. Decorrido certo intervalo de tempo, mesmo que a barreira que os isolou desapareça, levando a que os indivíduos que faziam parte da população original voltem a se encontrar, é possível que eles não mais possam trocar genes entre si (isolamento reprodutivo). Dessa forma, mesmo que eles voltem a viver em simpatria, não serão mais compatíveis reprodutivamente. Quando isto ocorre dizemos que novas espécies foram formadas. As espécies alopátricas se formam, portanto, em regiões diferentes. O isolamento geográfico é, dessa forma, o ponto de partida para a diversificação dessas populações, como vimos na especiação cladogênica.
Um exemplo clássico de especiação alopátrica ocorreu com os pássaros da família dos fringilídeos, conhecidos como Tentilhões de Darwin, que este pesquisador estudou em Galápagos, durante sua viagem a bordo do navio Beagle. Darwin (1809-1882) constatou a existência de aproximadamente 14 espécies de tentilhões vivendo nas diferentes ilhas do arquipélago de Galápagos. Analisando-as, constatou que apesar da forte semelhança entre as várias espécies, elas apresentavam diferentes adaptações, principalmente em relação à forma do bico (figura abaixo) e ao tipo de alimento utilizado. O isolamento nas diferentes ilhas impede a migração e consequentemente o fluxo gênico entre elas, favorecendo a estabilização de características genéticas particulares.
Como outro exemplo de especiação alopátrica citamos uma situação que ocorreu na ilha do Porto Santo, para onde foram transferidos, no século XV, ratos que habitavam o continente europeu. Em função da ausência de predadores ou competidores eles proliferaram rapidamente na nova região. As diferenças entre os ratos europeus e os seus ancestrais de Porto Santo, já eram bastante evidentes no século XIX. Posto em contato novamente, eles não mais se cruzaram, caracterizando a formação de uma nova espécie de ratos. A divergência no pool gênico (conjunto gênico) foi de tal ordem que impossibilitou o intercruzamento entre as duas populações.
Caso o tempo de separação não tivesse sido suficientemente longo, as diferenças genéticas permitiriam, ainda, o cruzamento entre eles, restabelecendo o fluxo genético e caracterizando a formação de subespécies, etapa intermediaria no percurso da especiação. As regiões em que as populações, embora difiram em várias características, ainda se intercruzam em maior ou menor extensão são conhecidas como zonas híbridas.
Um caso em que o isolamento não foi suficientemente longo para a formação de novas espécies, ocorreu com os corvos (Corvus corone). Neste caso, a separação se verificou durante a última glaciação, ao fim da qual, os dois grupos voltaram a manter contato numa área limitada (zona híbrida), onde se verificou a ocorrência de fluxo gênico. O isolamento geográfico, portanto, não foi suficiente para ocasionar o isolamento reprodutivo. As duas populações se fundiram em um único pool gênico. Dessa forma, não foi alcançado o status pleno de espécie e os dois grupos de corvos continuaram pertencendo à mesma espécie (Corvus corone).
VICARIÂNCIA (EFEITO VICARIANTE) E EFEITO FUNDADOR
Na especiação por vicariância ou dicopatria, modelo clássico de especiação alopátrica, a espécie se subdivide em duas populações grandes que se tornam isoladas graças ao surgimento de uma barreira física efetiva entre elas (figura a seguir). A falta de fluxo gênico entre os dois grupos, agora formados, fará com que eles fiquem cada vez mais diferentes. A manutenção dessa barreira por determinado tempo, levará à especiação. Em face de a seleção natural ser uma poderosa força evolutiva nas grandes populações, a evolução adaptativa causa, provavelmente, as mudanças que resultam no isolamento reprodutivo nessa especiação.
Na especiação por efeito fundador ou especiação peripátrica – situação frequente na colonização de ilhas, a partir do continente – um pequeno contingente de indivíduos coloniza um novo habitat na periferia da área geográfica da espécie (figura abaixo), levando a que ocorra um isolamento reprodutivo, após várias gerações. Uma nova população se forma, portanto, a partir desses fundadores, que transportam uma parte restrita do fundo genético da população original. Estudos em populações humanas mostraram esse efeito resultante da migração de um grupo religioso da Alemanha para os Estados Unidos, onde se mantiveram isolados da população restante.
Por haver poucos fundadores, existe uma quebra acentuada na variabilidade genética da nova população em relação à população originária. Como consequência, a população nova pode ser muito diferente, quer no genótipo, quer no fenótipo, da população original. Há também uma elevada probabilidade de ocorrer endogamia (acasalamento entre indivíduos aparentados), resultando num nível anormal de defeitos relacionados com a expressão de genes recessivos, fenômeno conhecido como depressão endogâmica.
O efeito fundador é um tipo especiação alopátrica que ocorre por eventos de dispersão (figura anterior), sendo, via de regra, consideravelmente mais rápido do que os eventos vicariantes. Em face do pequeno tamanho da população, a deriva genética constitui uma força mais poderosa que a seleção natural nessa população, permitindo a criação de combinações genéticas novas.
Como o grupo recém-fundado é apenas uma pequena parte da população  total da espécie, todas as diferenças genéticas que tornam a espécie robusta podem estar ausentes. Isso constitui o que os biologistas evolucionários denominam efeito gargalo (“gargalo de garrafa”) ou efeito bottleneck. A figura a seguir mostra o efeito gargalo e sua relação com o efeito fundador. Dessa forma, alguns dos genes que fluem dentro de uma espécie foram eliminados e separados do conjunto gênico. 


Os genes presentes nessa pequena população ficarão fortes, pois o fluxo genético é muito mais intenso do que seria em uma população maior, na qual as diferenças genéticas, incluindo anormalidades, estão disseminadas. Os genes dos membros fundadores do que acabam se tornando uma grande população ficam, portanto, muito mais frequentes do que em populações maiores semelhantes. Dessa forma, no efeito gargalo uma pequena população consegue produzir gerações subsequentes.
Diversos exemplos de efeitos gargalo têm sido deduzidos a partir de informações genéticas. Um exemplo clássico é o do elefante marinho do norte que tem variação genética reduzida devido a um gargalo populacional que os humanos infligiram a eles nos anos 1890. A caça reduziu drasticamente o tamanho da população para cerca de 30 indivíduos no final do século 19. Conquanto ela tenha agora um efetivo de dezenas de milhares, seus genes ainda carregam as marcas do efeito gargalo: eles possuem muito menos variação genética do que populações de elefantes marinhos do sul, que foram menos intensamente caçados. Igualmente, esse efeito ocorreu várias vezes na historia da humanidade. A maioria dos europeus, por exemplo, descendem de apenas algumas centenas de ancestrais, que viviam em um local onde se processou esse efeito.
ESPECIAÇÃO PARAPÁTRICA
Na especiação parapátrica (semi-geográfica), uma espécie se espalha em áreas grandes com ambientes diversificados. Não há, portanto, uma separação geográfica completa entre as duas populações isoladas, mas sim uma diferença na condição ambiental. Ela é, em última análise, um caso intermediário entre as especiações simpátrica e alopátrica. Na especiação parapátrica, o fluxo genético entre as subpopulações é parcial, fazendo com que elas divirjam por adaptações a ambientes diferentes dentro de uma região geográfica contínua, tornando-se, gradualmente, espécies distintas. Dessa forma, a seleção natural atua mais fortemente que o fluxo gênico e a adaptação que ocorre ao longo da grande faixa de dispersão da espécie ancestral é a mais importante etapa nessa especiação. Muitas vezes, surge uma zona híbrida (figura abaixo) entre as duas espécies “incipientes” derivadas, cujos híbridos podem possuir diferentes graus de viabilidade ou fertilidade. Essa zona pode atuar, portanto, como uma barreira ao fluxo gênico entre as duas espécies que estão em processo de diferenciação.
ESPECIAÇÃO ARTIFICIAL
Através de experiências laboratoriais, usando Drosophila pseudoobscura (moscas de frutas), Diane Dodd demonstrou como o isolamento de populações em diferentes ambientes pode induzir ao início de um isolamento reprodutivo. Em seus trabalhos, publicados na revista Evolution em 1989, ele alimentou, em gaiolas diferentes, para simular um isolamento geográfico, um grupo de Drosophila pseudoobscura com amido e outro grupo com maltose (figura a seguir). Após várias gerações isoladas e alimentadas diferentemente, as moscas foram testadas para saber sua preferência de acasalamento. Os resultados mostraram a ocorrência de certo isolamento reprodutivo. As moscas alimentadas com maltose preferiram outras igualmente alimentadas com maltose e as alimentadas com amido preferiram as alimentadas com amido, como mostra a figura a seguir.
Esse trabalho mostra que populações isoladas em diferentes ambientes (representados, no caso, por diferentes fontes alimentícias), podem levar ao inicio de um isolamento reprodutivo, corroborando com a ideia cladogênica de que o isolamento geográfico é um importante passo para alguns eventos de especiação. Essa experiência tem sido facilmente reproduzida por diversos pesquisadores, utilizando, inclusive, outras espécies de moscas e outros tipos de alimentos.

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